quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Porque eu não concordo em cobrar jogadores por mesas em eventos de RPG no Brasil

Bem, deixei o título desta postagem o mais específico que eu pude para deixar as minhas opiniões mais claras possíveis. Isso porque, com certeza, algumas pessoas usaram como argumento o fato de que lá fora, em alguns eventos, as mesas são pagas, mas sem levar em consideração a realidade do hobby e dos encontros aqui e lá.

A verdade é que cobrar a um jogador de RPG para mestrar para ele em um evento aqui no Brasil, ao meu ver, é mais prejudicial ao hobby do que qualquer outra coisa, sem falar que é uma exploração do elo mais fraco do mercado, tendendo a piorar e dificultar o acesso das pessoas a um hobby já limitado. O que acontece lá fora em eventos como a GENCON não tem como se comparar ao que acontece por aqui. A estrutura, a organização, o espaço e a cultura lá são completamente diferentes.

Na GENCON: sim, as mesas na GENCON podem ser pagas, mas isso faz parte da organização geral do evento. Todas as mesas são registradas com meses de antecedência, informando quem vai mestrar (que podem ser autores de jogos, escritores de aventura e outros famosos), qual sistema, qual horário, a duração e tudo mais (incluindo o preço em tickets da própria organização do evento). Você agenda a partida muito antes de chegar ao evento. E chegando lá, você vai para uma sala onde tem somente mais uma meia dúzia de mesas, espaçadas, onde o barulho e amenizado. Isso tudo é institucionalizado, não uma pessoa qualquer que chega lá querendo cobrar porque acha que é melhor do que todo o resto que não cobra. Além disso, nesses encontros internacionais as mesas de jogo são apenas mais uma das atrações. Você pode passar os quatro dias da GENCON sem jogar nada e ainda ter muita coisa para fazer, ver, explorar (rola até show por lá). Ah, detalhe, pode haver mesas registradas com toda essa comodidade gratuitas também, e elas existem! Sem contar nos encontros que rolam após o horário da GENCON, onde você encontra autores, artistas e escritores e joga com eles de graça bebendo uma cerveja no bar.

Nos encontros daqui: nos encontros brasileiros, as coisas não são bem assim. Não há uma organização das mesas e nem registro prévio das mesmas de forma satisfatória. Ninguém sabe direito o que vai rolar e quem vai estar lá até, praticamente, se chegar no evento. As acomodações são precárias, com todo mundo amontoado em um grande salão com péssima acústica, misturando todos os tipos de jogos no mesmo lugar, em cadeiras de plástico vagabundas. Além disso, o número de atrações são extremamente reduzidos. E, 15 minutos depois de chegar na convenção você já viu tudo que tinha para ver, só lhe resta jogar algo. Se você já pagou para entrar no evento e, basicamente, só tem como opção viável para ocupar seu tempo jogar, ter que pagar de novo para jogar é um pouco abusivo, ainda mais nas condições acima.

Acessibilidade: para mim, uma das coisas mais legais do RPG é a sua acessibilidade. Você precisa de muito pouco para poder jogar e se divertir, ao contrário do que acontece com outros jogos, principalmente os eletrônicos. É possível passar o tempo durante anos comprando apenas um livro, ou mesmo de graça jogando com um grupo. Em uma época de DLCs, assinaturas digitais e outras coisas do tipo, o RPG como um hobby praticamente gratuito faz grande diferença. Agora imagine um iniciante indo a um evento para ver qual é a desse tal de RPG e descobre que ele é pago por hora? Que é mais uma fonte de despesas constantes? E se ele ficar com a impressão de que só é bom se estiver pagando? Afinal, são profissionais. Isso, ao m eu ver, só colabora com a elitização e afastamento do hobby ao invés de ajudar a torná-lo mais inclusivo e atraente.

Hobby colaborativo: o RPG não é que nem outros meios de entretenimento. O mestre não fornece algo pronto para ser consumido pelos jogadores (pelo menos, não os bons mestres). O jogo depende tanto da atuação dos jogadores quanto da dele. Não há jogo sem eles e a qualidade do mesmo depende muito da qualidade dos jogadores também. Se por um lado não há jogo sem um mestre, também não há sem jogadores e, durante o mesmo, há uma troca constante entre eles, construindo-se uma narrativa em conjunto para a fruição de ambos os lados. O entretenimento é tanto para os jogadores como para o mestre também. Sendo assim, cobrar por isso é um contrassenso, já que não se trata de um serviço de uma única mão, mas de uma troca e colaboração. Quem tentar fazer acreditar no contrário não está sendo sincero ou desconhece como funciona um RPG.

Questões legais: uma questão levantada recentemente sobre o assunto é de cunho legal. Não estariam as pessoas que cobram para mestrar fazendo uma exploração comercial de um produto que não lhes pertence? Mesmo dizendo que o que eles cobram seria o trabalho de mestrar, o tempo gasto e o dinheiro investido, é inegável que o fato de estarem atraindo clientes devido à marca de um jogo famoso, por causa de um cenário de campanha conhecido, um sistema renomado, e graças as a personagens importantes. Está se usando a propriedade intelectual de outrem para se ganhar dinheiro e não sei ao certo se são pagos os devidos direitos autorais para isso. E não, não é o mesmo que fazer uma palestra falando sobre um assunto e se cobrando por isso, é o mesmo que escrever um livro com personagens, cenário e marca de outra pessoa e comercializar sem pagar por isso.

Outras questões: outras questões podem ser levantadas ainda. Se o cara paga pelo serviço do mestre por, sei lá, quatro horas, pode o personagem dele morrer no primeiro combate ou em uma simples armadilha? Se ele está pagando, ele pode escolher o final? Se ele pagar mais um pouco, ele pode ter todos os atributos 18? Pra ter habilidades de um suplemento, tem que pagar como se fosse um “expansion pack”? Tem “continue” ou tem que comprar outra ficha?

Por fim, vale lembrar que a questão aqui é como as coisas são feitas hoje em dia. No entanto, acho sim que há possibilidades de alguém ganhar dinheiro como mestre de RPG, mas de maneira diferente. Se é para transformar uma atividade lúdica e colaborativa em algo comercial, que se cobre das editoras para mestrar jogos delas divulgando aquele material. Se um evento quiser garantir uma presença forte de mestres para que nenhum jogador fique sem jogar, ele poderia contratar mestres para ficarem à disposição de quem quisesse jogar. Ou ainda, se há uma ânsia de se cobrar do elo mais fraco, os jogadores, que se faça um serviço realmente diferenciado e que eles não teriam acesso normalmente, atendendo a domicílio, com campanhas moldadas ao gosto deles, com sistemas escolhidos por eles, levando em conta exatamente o que eles querem, não com aventuras prontas que são disponibilizadas gratuitamente para serem mestradas, também gratuitamente, em milhares de lojas de RPG pelo mundo.

Enfim, essa é a minha opinião e as razões pelas quais a formei. Não estou viajando e fazendo birra, como alguns querem fazer parecer, mas preocupado coma repercussão desse tipo de atividades no hobby por aqui, que não esta igual ao lá de fora, como costumam comparar.

Taxa de Joesky: E para você que não quer saber desses embrólios, que tal uma tabela com cobranças que mestres dos personagens podem fazer a seus discípulos (em formato de ganchos de aventura)?

1. Encontrar seu antigo mestre, que lhe ensinou tudo que sabe antes de conhecer o personagem, o qual desapareceu em busca da Terra Prometida.
2. Aprender a técnica perdida dos ancestrais da escola, que a lenda diz que estar escrita nas paredes do templo supremo da Cidade Prismática.
3. Resgatar um aprendiz que fora capturado por uma facção rival para ser oferecido como sacrifício em uma espécie de jogos macabros.
4. Derrotar o primeiro aprendiz do mestre que fora corrompido por forças malignas.
5. Fazer com que um aprendiz que está sendo corrompido por forças malignas recupere seus sentidos e volte para o lado certo.
6. Ensinar tudo o que sabe para um novo aprendiz, de forma a não deixar que os ensinamentos se percam, sendo este seu último aprendizado.
7. Apagar qualquer vestígio de que a técnica que conhecem seja descoberta por grupos rivais que a tentam usar de forma errada.
8. Representar o mestre em um importante conselho que decidirá os rumos do mundo, impedindo que um inimigo use sua influência para fazer algo catastrófico.
9. Derrotar o mestre em um combate justo para assumir suas reponsabilidades e poderes, dando um fim digno ao mesmo.
10. Derrotar o mestre supremo antes que um inimigo poderoso o faça, impedindo que o mesmo assuma a liderança de uma ordem centenária.
11. Proteger o mestre em uma peregrinação sagrada para o local onde tudo começou, para que ele possa viver seus últimos dias ao lado de seu falecido mentor.
12. Salvar seu mestre depois de receber uma mensagem misteriosa com uma espécie de enigma indicando o que acontecera com ele.

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Um comentário:

  1. Obrigado pelo post, Diogo. Gostaria de acrescentar meus 5 centavos.

    "Hobby" é uma "atividade exercida exclusivamente como forma de lazer, de distração, passatempo". Com essa definição não faria sentido cobrar por mesas de RPG, preservando assim o Hobby RPG.

    No entanto, a atividade de mestrar uma mesa de RPG pode atingir o nível de "trabalho", uma "atividade profissional regular, remunerada ou assalariada". Nesse caso, não cobrar por esse trabalho seria caridade.

    Em suma. Uma coisa não exclui a outra. As duas opções podem conviver mutuamente ;)

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