terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pesadelo na Rua Verde

Mais um dia começava na pacata vizinhança da Rua. No entanto, estava um dia pacato demais. Há alguns dias, as crianças da rua já não saiam para brincar como antes e algumas estavam ficando doentes, pálidas e sem vontade de fazer nada. Os médicos diziam que era uma virose, muito comum nesta época do ano, mas os gatos sabiam a verdade, só podia ser obra dos "coisas".

Essas criaturas, como os felinos sabiam, eram as responsáveis pela grande maioria das mazelas que afetavam os seres humanos, só que estes não as conseguiam ver. Elas começavam com seres amorfos, parecido com uma ameba, que ficavam mais fortes e tomavam formas diferentes com o tempo que passassem atormentando e sugando a vida de outros seres. Era dever dos gatos defender os homens desses monstros.

Foi para tratar dessa obrigação que se reuniram no telhado da casa onde morava Violeta, uma angorá de pelos brancos muito bem cuidados. Estavam presentes Lebron, um gato preto vira-lata da casa do lado; Mimi, uma cialata que adotou o casal da frente; Pérola, uma vira-lata que vivia na mesma casa de Lebron e fora criada por esse; Angus um persa robusto que escolheu defender os moradores da casa abaixo à de Violeta e Calisto, um vira-latinha peludo, jovem, que vivia com três crianças órfãs, moradoras de rua. Todos eles estavam preocupados com o que estava acontecendo na rua, uns mais com eles próprios do que com os humanos (afinal, quem iria limpar a caixinha de areia e comprar ração de salmão) mas todos sabiam que algo deveria ser feito.

O problema era decidir o quê. Já era noite e as estrelas brilhavam quando eles resolveram que iriam ver como Julie, a menina que Violeta protegia, estava. No entanto, para chegar até ela, os gatos teriam que passar por quase o segundo andar todo e, apesar da menina e o pai gostarem de gatos, a mãe de Julie não tinha muita simpatia por felinos, ainda mais se fosse um grupo de seis deles. Assim, eles resolveram se dividir para caso um grupo não conseguisse chegar ao quarto da criança. Violeta e Angus foram por fora da casa, pulando de parapeito em parapeito, até que chegaram na janela da menina. Enquanto isso, os outros quatro foram andando pelo interior da casa, silenciosamente. Ao chegarem na porta do quarto, viram que a porta estava fechada. Pérola, muito esperta, tinha aprendido que se pulasse na maçaneta e a puxasse para baixo, os outros gatos conseguiriam empurrar a porta e foi isso que ela fez. Só que abrir uma porta desse jeito, não é tão silencioso, e eles ouviram a voz da mãe de Julie ecoar pelas escadas: "Julie? Você levantou?" e a mulher começou a subir os degraus.

Agindo rápido, para salvar seus amigos. Angus empurrou um do vasos de flores da janela em que estava e começou a miar feito um louco. Isso foi o suficiente para chamar a atenção da mãe que logo foi para fora de casa ver o que tinha caído. Os felinos de dentro da casa aproveitaram o momento para entrar logo no quarto, assim como fez Violeta, antes que fosse vista na janela com Angus.

Dentro do quarto, eles viram a menina encolhida sobre a cama, segurando o travesseiro com muita força, tremendo e gemendo como se estivesse sofrendo ou com medo de algo. Era claro que um pesadelo a estava deixando daquele jeito e que eles teriam que adentrar o mundo dos sonhos para entender melhor o que acontecia. Gatos, como seres mágicos que são, conseguem atravessar a barreira entre os dois mundos facilmente e enquanto os cinco dentro do quarto faziam isso, a mãe de Julie tentava pegar Angus que ficou para trás, distraindo-a.

Quando fecharam os olhos, eles se viram no interior de uma masmorra. Paredes de pedras ásperas e altas formavam um longo corredor. Diversas portinholas, em ambos os lados, serviam de grade para celas onde Calisto logo viu uma das crianças de quem tomava conta. Ao final do corredor viram também uma escada em espiral que levava até um piso superior mas, naquele momento, só queriam saber de como libertar as crianças presas ali.

Calisto, como era pequeno, conseguiu logo passar entre as grades das celas. Lembrando-se dos poderes que tinham naquele mundo fantástico o gatinho se concentrou e transformou as algemas que prendiam a menina na parede em água, soltando-a. Mas isso não aconteceu de graça, ele sentiu que aquilo custou um pouco de sua energia, e a matéria do sonhar estava mais rígida. Alguma criatura se aproxima. Ouviram, então, o som de passos pesados e lentos descendo as escadas.

Violeta botou a cabeça por fora da grande para ver o que se aproximava quando viu um monstro gigante, corcunda, cheio de verrugas. Ele tinha um rosto largo, nariz comprido e dentes enormes. Carregava um tacape em uma das mãos e parecia estar farejando alguma coisa. Ele sentia o cheiro dos felinos mas esses não deixariam que ele agisse antes.

Lebron, rápido como só ele, saltou na direção da criatura e cravou suas presas no pescoço dela. Violeta aproveitou que o monstro foi pego de surpresa para atacar a mão que estava segurando o tacape, o que fez com que a arma fosse largada. Os gatos foram todos para cima da criatura. Naquele mundo eles eram fortes, ágeis e rápidos, mais, ainda, que no "mundo real" (os felino sabem que o que vale mesmo é o lado onírico). Mas a criatura não parecia render-se ou ficar mais fraca. Mimi, que possuía uma intima ligação com a magia dos sonhos, percebeu que a única chance deles escaparem era se usassem aquele ambiente contra o monstro. Assim, balançando sua calda, ela fez uma magia poderosa e uma fenda abriu-se debaixo da criatura, que caiu por dezenas de metros, batendo coma cabeça nas pedras, ficando desacordada no fundo do buraco.

Eles tinham se livrado dele mas esqueceram que as chaves das celas estavam penduradas em seu cinto. Alguém teria que descer até lá para pegá-las e Calisto foi o voluntário. O pequeno gato desceu com todo o cuidado para não fazer barulho ou derrubar alguma pedra em cima do monstro. Chegou bem próximo dele quando a criatura se mexeu e virou-se para o outro lado. Foi um momento tenso, mas Calisto não desistiu, saltou por cima da criatura e com todo o cuidado pegou o molho de chaves com a boca mas, quando foi pucha-lo, viu que estava preso no cinto. Agora, ou ele largava as chaves, com risco de fazer barulho, para soltar o cintou ou tentava arrancá-las dali e correr para longe. Ele escolheu a segunda opção. Arrancou as chaves e correu o mais rápido que pôde, o suficiente para escapar das mãos do monstro que tentaram o tentaram agarrar por reflexo.

Lá em cima, então, os felinos começaram a soltar as crianças. Tiveram uma certa dificuldade em abrir a primeira porta mas, após explicarem rapidamente o que acontecia para uma criança atônita por ver um gato falando, obtiverem a ajuda daqueles que libertaram. Em pouco tempo estavam na frente de uma dúzia de crianças, todas um tanto confusas mas animadas que seus gatos estavam ali falando com elas e as salvando de criaturas terríveis. No entanto, aquele ambiente ainda era um tanto amedrontador para elas. Violeta, que conhecia bem as coisas que Julie temia e gostava, começou a falar com a menina, pedindo para que ela imaginasse estar em um lugar melhor, na rua que vivia, com árvores verdes, grama e brinquedos. Os outros gatos foram fazendo a mesma coisa com as outras crianças e em pouco tempo elas estavam se sentindo melhor, em um lugar melhor. O mundo dos sonhos é afetado pelo pensamento de todos, e todas aquelas crianças sonhando forte, juntas, fez com que se criasse um ambiente mais acolhedor ali.

Mas os gatos sentiam que aquilo era apenas o começo. Ainda podiam ver a escada de onde veio o monstro e, agora, queriam saber para onde ela levava. Subiram por algumas dezenas de metros, até que viram que a escada dava para a parte debaixo de uma tampa de bueiro. Como era algo muito pesado para um gato levantar sozinho, todos eles fizeram uma força e viram que aquilo era a tampa de um bueiro que dava na rua deles, a Rua Verde. Porém, ela não era como eles lembravam. As casas estavam quase todas em ruínas, sujas, envoltas em era. O gramado em frente de cada uma estava descuidado, com uma grama altíssima. As árvores à margem da via eram retorcidas, acinzentadas e não tinham folhas. Centenas de morcegos descansavam em seus galhos, que mais pareciam braços com garras. Ao final da rua, onde ficava uma casa abandonada desde que o um homem e seu filho desapareceram, haviam um pequeno castelo com aparência sinistra. Um raio brilhou na escuridão sem, no entanto, iluminar a rua. Estavam em um pesadelo.

Era claro que o monstro que estava causando aquilo estava naquele castelo e que eles precisavam ir até lá, a questão era como. Calisto, usando o poder de sua magia resolveu voar por cima das árvores mas os morcegos que ali estavam saíram de seus galhos e foram na direção do gato. Mimi, agindo rápido, se concentrou e, gastando um boa parte de sua energia, fez com que uma grande bola de luz surgisse no meio da rua, espantando os morcegos, que voarem em direção ao castelo. Lebron conseguiu pegar um e o prender contra o tronco de uma dar árvores, exigindo que ele contasse o que estava acontecendo. Mas ele não esperava pelo que veio em seguida. A árvore tomou vida e uma face horrenda apareceu em seu tronco. Seus galhos viraram braços que tentaram pegar o gato, que só foi salvo pelo empurrão de Violeta. O caminho até o castelo não seria fácil.

O grupo, então, decidiu que seria melhor que se dividissem. Calisto e Violeta voltariam para o "mundo real" para ir à casa a qual o castelo corresponde para ver se encontravam alguma coisa que explicasse o que acontecia. Pérola, Mimi e Lebron continuariam no mundo dos sonhos e tentariam chegar até a construção sinistra, eles iriam correr entre as árvores e torcer para que tudo desse certo.

E não é que deu? Eles correram o mais rápido que conseguiram, desviando dos golpes dos troncos que tentavam acertá-los. Vez ou outro um tufo de pelo era perdido mas no final, chegaram inteiros aos portões do castelo. Ele era feito de ferro, todo trabalhado com detalhes e floreios. Um muro de pedra coberto de hera negra. Da uma janela do segundo andar eles viram uma sombra comprida que parecia estar olhando para eles. Os três passaram entre as grades do portão e agora andavam pelo gramado em direção à porta do lugar quando ouviram um uivo e um grunhido. Lobos.

Enquanto isso, Violeta e Calisto foram averiguar a casa abandonada. Era uma casa muito parecida com as outras da vizinhança, tinha dois andares, jardim e árvores, mas estava em um estado lastimável. a grama estava quase toda morta, as árvores secas e mal cuidadas. A casa tinha rachaduras e estava com uma pintura mal acabada e descascando. Violeta percebe que há um outro gato vivendo no local. O cheio de amônia era sensível e restos de pequenos animais (ratos, pássaros) foram encontrados em algumas partes do jardim. Os dois entraram na casa pela janela de cima, e viram uma casa que parecia ter sido deixada às pressas. Móveis ainda estavam lá, objetos (alguns caídos e quebrados pelo chão) e muita poeira. Mas viram também pegadas de gato, que ia para o quarto em frente ao que estavam. Calisto e Violeta foram para lá, silenciosamente. Assim que entraram ouviram um voz rouca e grave, vindo de trás deles, debaixo de um ármário: "O que vocês estão fazendo aqui?". Sem pensar muito, Calisto avançou sobre a criatura, que era um gato grande, malhado de cor preta e marrom, e arranhou-lhe a face. O gato saltou e começou a correr, mas acabou ficando entalado entre as pernas do armário. Ele mostrava seus dentes de forma ameaçadora, mas sabia que estava em desvantagem, era velho, estava acima do peso e eram dois contra um. Ainda eufórico, Calisto queria continuar a atacar o velho gato, mas Violeta o impede. Aproveitando o momento, o gato malhado foge e sai correndo. Os dois felinos não tiveram um bom começo naquela casa, se quisessem a ajuda do morador atual, teriam que ter sido mais gentis.

No mundo dos sonhos, Pérola, Lebron e Mimi encontraram dois lobos negros, muito maiores do que eles, rosnando e com um olhar assassino que os deixou preocupados. Lebron arrepiou seus pelos e usou a magia de seus ancestrais para ficar maior e ter a força de uma pantera, saltou sobre um dos lobos e cegou-o com suas garras. Mimi que estava sendo encurralado por um dos lupinos, mais uma vez, recorreu ao poder de sua calda e fez com que um espelho refletor aparecesse na sua frente, o que deixou o lobo um tanto confuso e assustado com sua própria aparência. Ela aproveitou a situação para fugir. Pérola ajudou o gato preto a terminar o trabalho com um dos lobos e mordeu o rabo da criatura que passou a correr atrás deste por um tempo. O trabalho ali estava terminado, iriam para dentro daquele lugas sinistro.

A porta do castelo estava entre aberta, como se esperasse que eles entrassem. Era uma porta de madeira grossa, trabalhada, onde fora esculpida um morcego em cada lado. Do lado de dentro, se viram em um salão com pilares adornados com querubins e um tapete vermelho que se estendia até uma escadaria que levava ao segundo andar. Candelabros com velas davam uma iluminação estranha ao local e os gatos sentiram um arrepio na espinha quando viram um homem pálido, alto e magro descer as escadas. Seus olhos eram negros como a noite a sua pele branca como a lua. Vestia uma capa escura sobre uma túnica e usava um sorriso maligno no rosto. "Não esperava que vocês chegassem até aqui" disse ele em um tom desdenhoso, mostrando seus dentes afiados como os de um vampiro. Os três gatos colocaram as unhas para fora e partiram para o combate.

Ao mesmo tempo, na casa abandonada, Calisto e Mimi investigavam o porão. O lugar estava uma verdadeira zona. Depois de alguns minutos, porém, encontraram algo que chamou atenção. Um camafeu, de onde percebia estar emanando uma grande energia negativa. Após conseguirem abri-lo (algo não muito fácil quando você não tem polegares opositores) viram que dentro dele haviam duas fotos. Uma de um senhor magro, de cabelos e olhos negros e feições sérias e outra de uma menino com um gato no colo. O gato parecia muito com o velho gato que tinham encontrado na casa. Então, eles se lembraram do que tinha ocorrido naquele lugar, uma tragédia.

Aquele homem, depois de perder a esposa com a nascimento do menino, nunca mais foi o mesmo. A cada ano ele crescia mais e mais distante e a única companha que a criança foi tendo ao longo dos anos foi aquele gato, o Sr. Rabude. Até que, em uma fatídica noite, o pai chegou bêbado em casa, embriagado com suas frustrações e acabou matando seu próprio filho, se matando em seguida.

No pesadelo, o grupo de gatos lutava como podia contra o vampiro, mas seu exército de morcegos veio em seu socorro e as coisas não parecia muito animadores para os heróis felinos. O castelo parecia cada vez mais opressivo e os querubins nas paredes iam se tornando pequenos demônios. Mimi, usando seus último poderes antes de ficar estafada manda uma mensagem para seus amigo do outro lado do véu "Vocês precisam nos ajudar, o vampiro é forte demais!". Quando Violeta recebeu a mensagem como um sussurro em sua mente, ela já sabia o que deveria ser feito. Ela falou para Calisto voltar para o mundo dos sonhos e ajudar os outros na luta contra aquele pesadelo, mas que ele tinha que buscar a ajuda de outro gato.

Ela foi atrás do Sr. Rabude, o velho gato daquela casa. Para ela, aquele pesadelo só podia ser detido por ele, pois aquilo era a manifestação de toda a mágoa que ele carregava do que aconteceu com a criança que vivia com ele. Ao encontrá-lo lambendo suas feridas debaixo de um banco do lado de fora da casa, Violeta tentou convencê-lo a ajudar seus amigos. Ele não estava muito disposto, principalmente depois de ser atacado por Calisto sem nem ao menos saber o que estavam procurando. Quando a gata mostrou o camafeu para ele e explicou o que estava acontecendo do outro lado do véu, Rabude exitou, mas perguntou: "E depois de eu ajudar vocês? Voltarei a ficar aqui, nessa casa, sozinho e sem amigos?" Violeta, embora orgulhosa e um pouco distante, chegou perto do velho gato e o cumprimentou, da maneiro que os gatos fazem. Disse que agora ele era parte de um grupo e que nunca mais estaria sozinho. Assim, eles foram  para o mundo onírico, enfrentar o vampiro.

Quando Rabude e a criatura ficaram de frente, um para o outro, todos puderão ver um ódio entre eles. Os dois correram para se encontrar em combate. Todos os gatos foram para cima da criatura da noite e, agora que o velho gato resolvera enfrentar seus medos e pesadelos, o vampiro já não tinha tanta força. O esforço conjunto de todos eles fez com que a criatura fosse vencida e transformada em cinzas assim que o sol começou a nascer e penetrar a casa pelas janelas que se abriam.

Aos poucos, quando os raios de sol iam tocando a rua, tudo ia voltando ao normal. As casas voltavam a sua aparência comportada. As árvores tinham folhas novamente, e não tentavam comer nenhuma criatura. O sol brilhava e, ao longe, vozes de crianças podiam ser ouvidas. Ao saírem na rua, os gatos viram todas aquelas crianças que ajudaram no pesadelo, brincando novamente. Uma sensação de dever cumprido tomou conta dos corações felinos do grupo.

Julie viu sua gata e correu em direção a ela. Pegou violeta no colo com um sorriso radiante e disse: "Vivi! Nossa, eu tive um sonho tão esquisito hoje, mas você estava lá, me ajudando. E você falava!". Será que todas as crianças lembravam do que aconteceu?

Essa história foi escrita baseada na aventura de CAT que eu mestrei no encontro do Saia da Marmorra de fevereiro e ela é tão de minha autoria como de todos aqueles que participaram dela (não lembro o nome de todo mundo, mas posso citar o Ygor e o Brega - se você jogou diz seu nome aí eu eu incluo aqui).

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