quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

D&D Next? Não para mim, obrigado.

Acho que todo mundo já deve ter percebido que eu não tenho falado nada mais sobre o D&D Next, a nova edição do primeiro RPG já feito, o Dungeons & Dragons. A Wizards of the Coast anunciou no ano passado que estavam desenvolvendo-a e que ela teria um "playtest" aberto, e que o jogo voltaria às suas raízes, buscando o que era essencial nas edições passadas de D&D e criando uma versão capaz de agradar a todos os jogadores, mesmo aqueles que nunca deixaram de jogar as edições antigas. Disseram ainda que você seria capaz de sentar em uma mesa e jogar com personagens feitos como em qualquer uma das edições. Tudo muito bonito, tudo muito legal, mas será que eles conseguiriam fazer isso?

Eu sou uma pessoa que costumo acreditar muito nas outras, então acreditei nessas promessas de político da WotC. Eu sempre gostei de D&D, meu primeiro contato com o jogo foi com aquela caixa preta da Grow, clássica, com regras baseadas (embora simplificadas) no D&D BECMI do Mentzer, onde Anões eram classe, Elfos eram todos meio que guerreiros/magos, e halflings só não eram hobbits para evitar processo judicial. Foi amor a primeira vista, e não parei mais depois disso. Em pouco tempo estava jogando First Quest e AD&D 2ª edição, que saíra pela editora Abril, na época. Era um mundo de possibilidades infinitas, mas com muito do espírito e agilidade do jogo que me apaixonei ainda lá. Muitas regras eu não usava mesmo, principalmente as mais complexas, mas não tinha nada demais nelas, principalmente porque eu só tinha os livros básicos. Quando saiu a terceira edição, e eu já conseguia ler livros em inglês, eu vendi meus livros do AD&D e comprei ela correndo, como eram bonitos aqueles livros e quanta versatilidade, equilíbrio e opções tinham nessa edição. O que eu não percebi na época era que o jogo dava tudo para os jogadores e abria o caminho para personagens super-poderosos, caçadores de poderes absurdos e um estilo de jogo que incentivava a construções de "maquinas de matar" e não personagens críveis (ei, essa é a minha impressão, você não precisa concordar com ela, nem espero que o faça). Empolgado, e pela primeira vez, com dinheiro no bolso, entrei de cabeça quando saiu a 4ª edição. Comprei muitos livros (muitos mesmo, quem quiser comprar algo, estou vendendo), e comecei a jogar uma campanha. Que decepção. O jogo não funcionou para mim como eu imaginava que fosse funcionar. A ideia, na época, de um jogo super equilibrado, que todas as classes tem sua função definida em combate, capazes de causar dano, e ter customizações quase infinitas e tudo mais parecia legal, na teoria, mas quando joguei, vi que não era mais aquele jogo pelo qual me apaixonei, era outra coisa. Um jogo bem feito, bem elaborado, construído muito bem, mas a magia, o estilo de jogo, e a sensação de aventura, perigo, exploração, não estavam mais ali, pelo menos, não para mim.

Agora, depois de alguns anos sem jogar o D&D da Wizards of the Coast, eu redescobri as edições antigas, e os Retro-Jogos da OSR. Eles são os responsáveis pelo reviver da minha paixão por esse jogo, por literatura fantástica, por jogos de fantasia, aventura e várias outras coisas. Aquilo que me fez gostar de RPG está vivo nesses jogos. O D&D que eu conheci está nesses jogos, e não nos livros que estampam essa marca publicados pela WotC. Os jogos que eu presenciei e continuo presenciando com esses sistemas ditos "Old School" voltaram a ser sobre façanhas e coisas incríveis que conseguíamos fazer com esses personagens apesar de todos os perigos, monstros e coisas estranhas, sobre como usamos nossa criatividade, atenção, e imaginação para contar histórias, e não sobre quanto de dano eu consigo dar combinando esse talendo com aquela classe de prestígio e aquela magia, ou de quão poderoso é meu personagem, ou que combinação de classes é mais eficiente. A liberdade dada aos jogadores e mestres voltou a ser praticamente infinita. O mestre tem novamente o poder de criar, modificar e decidir como as coisas funcionam ou podem funcionar e deixaram de ser apenas um meio de execução para os manuais de regras, possibilitando os super-heróis aventureiros demonstrarem seus super-poderes. Para mim, não importava o nome do livro que eu estivesse utilizando, eu estava jogando D&D, o jogo que eu joguei a primeira vez há quase 20 anos. E isso basta.

Mas então veio a notícia, mais uma nova edição. Eu logo pensei: "E daí? Dessa vez deve vir até com joystick." Mas as promessas que eles estavam fazendo fez crescer uma curiosidade na minha cabeça. Um jogo de D&D com o espírito das velhas edições? Que eu possa jogar com personagens da 1ª, 2ª ou edições clássicas? Sem miniaturas? Compatível com material antigo? Daí veio o primeiro pacote. Nada mal, ainda tinha alguns resquícios das edições recentes (mesmo com nome diferente, para tentar disfarçar, mas estavam lá), mas estava bem melhor que os últimos jogos da WotC. De volta ao essencial, sem muita papagaiada, devendo fazer apenas alguns ajustes para que o jogo parecesse com suas versões originais. Mas não foi isso que eu vi nos pacotes seguintes (aliás, depois de segundo eu parei de acompanhar e só li as pessoas falando as novidades).Cada vez mais o jogo vai ficando parecido com uma mistura da terceira com a quarta edição, ambas publicadas pela WotC, e mais distantes das edições clássicas? Cadê o retorno às origens? Modularidade? Simplicidade? Devolução do jogo ao DM? Eu não vi, pelo menos não no D&D Next.

Isso me fez pensar o seguinte: D&D não é aquilo que nos empurram com a marca estampada na frente. É aquilo que nós sentimos que é D&D, que passa o espírito, o clima, e a sensação de jogar D&D. Acho que muita gente, inclusive eu, acabava migrando de edição por inércia mesmo. Se só a WotC publicava D&D, e eu queria continuar jogando e consumindo D&D, eu não tinha opção se não migrar para novas edições (na verdade tinha, mas nem todo mundo percebeu isso imediatamente). Com a OGL e a OSR, qualquer um, editora, fã, entusiasta, podia publicar material compatível com edições passadas, e até mesmo, como sabemos, jogos inteiramente novos, as vezes simulando perfeitamente as versões clássicas, as vezes criando, a partir delas, jogos com o mesmo espírito mas inovações e regras alternativas bastante criativas, dando uma cara diferente para um jogo familiar. Assim, ninguém precisava migrar de edição. Aliás, as pessoas podiam voltar a jogar as velhas edições, mesmo que com outro nome, e continuar a consumir material, ver coisas novas e conversar com outros jogadores. A internet e os blogs ajudaram muito para que isso ocorresse. Pessoas dividindo material, criando coisas novas e mostrando que as edições velhas estavam tão vivas quanto há 30 anos atrás. Não importa mais se você está jogando os livros oficiais de D&D, Labyrinth Lord, Sword & Wizardry, Dungeon Crawl Classics, ou Old Dragon, você está jogando Dungeons & Dragons, o seu Dungeons & Dragons, e não vai ser uma nova edição do jogo que a WotC está lançando com esse nome que vai mudar isso. Ao menos, para mim, não vai mudar nada.

Mas eu acho que eles mesmos, da Wizards, sabem disso. Não é à toa que estão republicando vários livros das edições passadas, e disponibilizando o material da saudosa TSR em meio digital. Talvez tenham visto que o pessoal da OSR não ficou muito impressionado com os rumos do D&D Next depois do primeiro pacote de testes. Mas sabe de uma coisa? Eu não estou triste com isso não. Estou bem satisfeito. Acho que é bem melhor esse jogo que amamos ficar na nossa mão, na mão de quem gosta e joga essas versões antigas, produzindo material, novas adaptações, interpretações e versões com o espírito original, do que na mão de uma mega empresa como a Hasbro (WotC). Com certeza ela poderia publicar livros mais bonitos, com papel melhor, com capa resistente e com muitos acessórios (que você não precisa), mas eu prefiro algo mais simples, mais verdadeiro, feito com paixão e amor por quem realmente joga o jogo.

Enfim, eu não preciso de um livro com a marca D&D estampada nele para jogar Dungeons & Dragons, eu posso fazer isso com vários outros jogos. Aqui no Brasil temos o Old Dragon (até agora), mas há muitos outros por aí, alguns totalmente gratuitos e muito bem feitos, inclusive. Material de apoio não falta, produzidos aos montes, para todos os gostos e estilos. Da WotC, por enquanto, eu só quero os Reprints e os PDFs da versões antigas. D&D Next? Não para mim, obrigado.

P.S.: Você pode não concordar em nada do que eu escrevi, e você está no seu direito. Mas, como sempre digo, isso aqui é um blog pessoal, com minhas opiniões, ideias e devaneios pessoais.

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19 comentários:

  1. Concordo sua opinião.
    O D&D vive nos retroclones e não no "D&D Next".

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  2. Só vou comprar o D&D Next se vier a ele atrelado alguma licença (de preferência, voltando a OGL), senão, não obrigado.

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    1. Nem isso eu devo fazer. Vou direto para o documento OGL e SRD.

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  3. Muito bom post
    Considerações pessoais a parte, na época existia a percepção de "evolução", que não era verdadeira. Nunca existiu nada de errado com as edições antigas, são totalmente viáveis, inclusive com qualidades que as outras edições recentes não possuem.
    Mas também considero cedo para julgar a nova edição "oficial", já que o interesse do playtest é avaliar mecanismos. Por um lado acho impossível eles conseguirem concretizar a bravata, por outro, pode sim servir como material de "rapina", aliás, como qq outra edição e retroclone.

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    1. É, pode parecer cedo. Mas é que já foram quantos? 5 pacotes? E a cada um eu vejo o jogo mais próximo do D&D da WotC e mais longe do D&D da TSR. Mas tudo bem, quem precisa deles? :D

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  4. Fantástico artigo Diogo,

    Seus pontos realmente são muito bem colocados. Eu particularmente gosto um pouco do D&D Next, pois como você mesmo disse traz uma mistura dos elementos da 3ª e 4ª Edição em um blend, mas de forma alguma eles trazem elementos do bom OSR. Acho que o material da WoTc é para aquela galera mais com esse espirito mesmo, mais mecanico. Mas ainda bem que temos a boa galera independente que assumiu o trabalho de manter viva a OSR!

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    1. É por aí mesmo que eu penso Barth. Para muita gente, é isso que eles conhecem como D&D, o que a WotC publicou. Mas acho que essa galera pode e deve conhecer o D&D velho, para ver de onde veio tudo e como o jogo pode ser. Tem gente que se apaixona e esquece as versões novas até.

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  5. Salve Diogo!

    Deixa eu te perguntar, você tem o "Mordeinkanen's Magnificient Emporium" para vender? Ou o "Open Grave"?

    Quais livros de D&D 4 você tem? Por quanto vende cada um?

    Abraços e boas aventuras - qualquer que seja o sistema que você jogue! ^^

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    1. Cara, me manda um email (vê na página de contatos) aqui, para a gente conversar sobre isso. O Open Grave eu acho que vendi. Mas o Mordeinkanen's ainda tenho.

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  6. Vc falando da sua história com o D&D lembrou mto a minha e garanto que também da maioria dos jogadores antigos. Apesar de começar a jogar com o AD&D em inglês e depois passar a mestrar com o D&D da Grow por não saber inglês... Lembro da felicidade do grupo qdo anunciou o AD&D em português, consumindo quase tudo que se lançava em português e por vezes em inglês.

    Depois foi como vc falou, peguei o D&D 3.x e de início pareceu legal, e voltei a jgoar com um novo grupo, mas logo desanimei e não percebi o porquê de imediato, só percebendo qdo comprei o LdJ do D&D 4.0 que sequer consegui terminar de ler. Foi decepcionante e na internet vi o mesmo de outros jogadores e principalmente mestres. Com isso percebi que também não gostava do D&D 3.x e ai sim, reacendeu a chama do D&D (TSR) em mim, compartilhando o RPG Old School e voltei a jogar Old Dragon e AD&D... Inclusive lendo e comprando livros do antigo AD&D. Inclusive tem 2 para chegar essa semana...

    E agora sim, entendi o real significado de RPG que eu conheci no AD&D, D&D da grow e até o RPG das aventuras fantásticas. Agora voltei a gostar de RPG, mas somente estes Old School, da velha guarda, onde só quem viveu a época entende, ou raríssimos novos jogadores que leram as versões antigas e perceberam que não era nostalgia e sim melhores mesmo!

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  7. Cada pessoa jogue a edição que quiser. Nunca vi nenhuma das empresas que comercializam a marca D&D (seja a TSR no passado ou a Wizards no presente) obrigando alguém a comprar seus produtos (ou seja, nenhuma de suas edições). Se o cara tá feliz com 1E ou 2E, continue jogado elas, se tem outros felizes com 3E que joguem a 3E, se tem outros tantos fãs da 4E que joguem a 4E. Sim, haverá fãs da 5E (D&D Next), e muitos gostarão desta nova edição; não é porque alguns não a jogarão que não haverá milhares que a jogarão. Até mesmo a 4E NUNCA deu prejuízo a Wizard (inclusive os números dos lucros foram estampadas em matéria do The New York Times).

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    1. Concordo plenamente. Mas ninguém falou disso, de lucro, de número de jogadores e tal. Falei sim, que EU não me interesso no D&D da WotC e que D&D não é só o que eles estampam a marca. Não falei sobre o que outra pessoa gosta ou deixa de gostar. Quanto ao cara não ser obrigado a trocar de edição, isso é relativo. Se ele quiser continuar comprando produtos com a marca D&D, ele é sim obrigado, já que a WotC só produz material para e edição que estão vendendo atualmente. Mas no final, apesar de você ter puxado um assunto que nada tem a ver com o que foi tratado na postagem, eu concordo. Gosto é gosto, cada um tem o seu. Tem gente que curte "É o Tchan", fazer o quê?

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  8. As coisas são o que tem de ser. Alguem tem de ser pop e alguem tem de ser indie. Cada um é feliz com o seu canto. Eu gosto muito dos cenarios e aventuras da Paizo, mas não sou feliz com o sistema do Pathfinder.

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  9. Muito bom o seu post. Entendo perfeitamente o seu ponto e concordo. Já tive minhas épocas em que eu adoraria combos e ser o mais forte mas basicamente jogadores de RPG veteranos tem tendência a preferir a interpretação e a sobrevivência, por assim dizer. Então o a WoTC está funcionando em multi-foco, tentando agradar a todos. Ao mesmo tempo em que ela quer atrair novos jogadores, como tentou fazer com a 4ª edição, ela tenta manter os jogadores antigos... surgindo assim a 5ª edição que, para eles, é um misto disso aí.

    Minha opinião, apenas.

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  10. cara, ótimo sua publicação, eu não tenho mais do que 10 anos de RPG, comecei jogando com 1 dado de seis e riscando em um papel a ficha, localização e mapas, com toda a versatilidade da imaginação, porém dependendo unicamente de poucas regras e da sorte, amo isso e confesso que me sinto preso as regras nas ultimas edições, tenho voltado no tempo com o nosso RPG brasileiro OldDragon, mto bom mesmo!

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  11. Concordo 100%. O D&D/AD&D da TSR são insuperáveis! Claro que 3a edição teve algumas regrinhas boas (outras achei meio "fracas"), mas isso depende muito de cada grupo de jogo. O que mais agrada nas edições antigas é o clima que elas passam quando a gente vai jogar. E algo que eu destaco ainda é que no AD&D incentivava muito a INTERPRETAÇÃO dos personagens, chegando até a sugerir punições para jogadores que não estivessem interpretando. Isso sim é Role-Play!

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  12. Eu só fui conhecer D&D lá pra 2003 quando saiu o 3.5 e de cara virou hobby. Eu e o meu grupo sempre acompanhávamos os suplementos da WotC pra ver o que poderíamos colocar de novo no jogo, até Ad&d chegamos a usar, mas uma coisa ficou clara depois de uns anos, estava faltando dinamismo no combate. Ai quando saiu o 4ªE tínhamos toda uma expectativa quanto as prometidas mudanças, mas de fato na primeira jogada ninguém sentia que estava jogando D&D. Continuo jogando 3.5 mas de fato ainda acho que é preciso continuar o crescimento sabe? Tudo bem que hoje temos a disposição sistemas e regras alternativas (e próprias até) que preenchem o espaço que a WotC deixou, mas por tudo ter começado com ela, pelo menos pra um jogador dessa segunda geração como eu, é triste demais pensar que acabou. Por isso eu ainda espero pelo D&D Next, mas mesmo que ele não preencha as expectativas agente continua jogando!

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