terça-feira, 10 de abril de 2012

Engenharia de Masmorras - Planejamento

Não preciso dizer o quanto eu gosto de masmorras e o quanto eu acho que elas são uma representação do que é jogar RPG (As escolhas a serem feitas, os aposentos com sua cenas, diversos caminhos, diferentes entradas e saídas...). Mas a função dessa sério, que começa hoje, é a de auxiliar mestres na elaboração de masmorras mais interessantes e divertidas de se jogar.

Para começar, gostaria de falar sobre alguns aspectos que devem ser pensados e definidos antes da construção do local realmente comece. Eles são importantes na medida que ajudam a deixar a sua ideia mais clara e pronta para ser implementada. Com esses elementos definidos fica muito mais fácil você criar uma masmorra mais interessante.

Função: Nesse nosso caso, estaremos pensando em duas funções distintas. A função da masmorra para o mundo do jogo (para que ela foi feita, para que é ocupada) e sua função no jogo em si. Falando sobre a primeira, é bom você ter uma ideia da razão daquela masmorra existir, do por que dela ter sido construída. Ela foi construída para abrigar um povo do ambiente hostil ao seu redor? Era um calabouço onde eram mantidos prisioneiros? Era um local onde pessoas eram torturadas, jogadas a sua sorte, entregue a criaturas subterrâneas? Enfim, existe diversas razões para uma masmorra ter sido feita, e, é claro, existem masmorras que simplesmente estão ali, sem razão para terem surgido (basicamente aquelas formadas por cavernas naturais). Além disso, como a maioria das masmorras tem uma sobrevida maior que seus ocupantes originais, é interessante pensar na função que seus ocupantes atuais atribuíram ao local. É a residência de alguma tribo de selvagens? É um esconderijo de um grupo de bandidos? Uma seita estranha usa o local para reuniões e rituais? Enfim, vai depender bastante dos atuais residentes. Agora, já quanto a função da masmorra em termos de jogo, você deve decidir se ela será um local a ser explorado, um local apenas a ser visitado rapidamente, palco de uma pequena batalhe ou o foco de uma campanha inteira. Resumindo, você deve pensar o quão importante é aquela masmorra na sua campanha. Ela é apenas o covil de uma criatura que eles encontram durando uma viajem ou o local onde o grupo irá buscar o artefato sagrado perdido a gerações? Quanto tempo você pretende utilizar essa masmorra na sua campanha? Isso irá determinar várias outras escolhas que deverão ser feitas adiante.

Tamanho: Como consequência da função, geralmente, o tamanho da sua masmorra é pensado. Se ela for apenas o covil de uma criatura errante encontrada durante as andanças do grupo de aventureiros, ela provavelmente será pequena, com talvez 3 a 5 aposentos (mas nada impede que haja uma abertura que desça até um outro complexo de cavernas maior). Agora, se ela for um labirinto construído por um Lich insano para aprisionar monstros e outras criaturas para experimentos e, por que não, diversão, a masmorra será bem maior, com dezenas ou centenas de aposentos e vários níveis. O tamanho vai influenciar, principalmente, a quantidade de tempo que o grupo passará na masmorra para explorá-la e a variação de ambientes que você deverá inserir nela. Masmorras pequenas não precisam de tanta variação, já que os aventureiros passarão pouco tempo dentro dela (eu disse tanta, alguma variação sempre é bem vinda), mas as maiores vão precisar de sua criatividade para criar ambientes, zonas e espaços com diferentes características, habitantes e desafios. Ninguém quer passar meses explorando os mesmos tipos de corredores, com as mesmas portas e a mesma tribo de orcs. Grandes complexos podem ser como reinos na superfície, com líderes de facções, terrenos e ambientes variados, povos vivendo de forma pacífica ou violenta entre si e por aí vai.

Habitantes: Outra coisa importante a se pensar são os habitantes e outras criaturas que podem estar pela masmorra (sem necessariamente viverem ali). Os outros fatores, com certeza terão influência nessa escolha. A função da masmorra e seu tamanho vão definir muitas das possíveis criaturas que podem ser encontradas, mas nada impede que você adicione outras. Não é muito legal enfrentar o mesmo tipo de monstro por dezenas de aposentos. Tente variar as criaturas encontradas, alguns animais que gostam de lugares escuros e cavernas são sempre bem vindos. Colocar criaturas antagônicas que podem estar em seu próprio conflito na masmorra é muito legal, pois permite que os jogadores vejam que aquela não é um local estático onde tudo vai estar como eles deixaram assim que saíram e que cada criatura ali tem seus próprios interesses também. Para masmorras muito grandes pode se interessante colocar criaturas neutras que podem ser feitas como aliados para o grupo de aventureiros (dependendo de como eles interagirem com elas). Isso vai permitir com que eles consigam aliados mais próximo para ajudar-lhes contra alguns obstáculos e fazer com que eles não precisem voltar a superfície a todo momento (embora longe períodos debaixo da terra não seja adequado para ninguém). Enfim, varie sempre que possível, surpreenda sempre que puder e mantenha a consistência quando necessário.

Níveis: Esse é outro elemento que vai ter dois significados no planejamento de uma masmorra. Primeiramente, qual o nível dos personagens para qual a masmorra será utilizada? Isso é importante para você saber que tipo de coisas eles podem ou não ter chances de encontrar. Nada impede (aliás, você deve fazer isso) que você coloque desafios além da capacidade deles, só não exagere e tende deixar claro que aquilo não deve ser enfrentado de peito aberto (afinal, o mundo não gira em torno dos personagens). Definindo isso você vai ter uma gama de criaturas para povoar a masmorra, tanto de criaturas com um nível próximo do grupo como com níveis acima e abaixo dele. O outro sentido de níveis é aquele referente a quantos "andares" haverá na masmorra. Quanto mais níveis, maior a variedade de desafios que é possível colocar na masmorra e mais variada ela pode ser. A cada nível e subnível sua arquitetura pode mudar, o ambiente pode ficar diferente, já que cada nível pode ter sido construído com intervalos variados de tempo e por povos distintos. Os níveis mais profundos podem ser totalmente diferentes do que aqueles mais próximos da superfície e podem esconder segredos perdidos ou desconhecidos pelo povos que veem o sol. Mas isso vai depender, também, do que você espera da masmorra. Aquelas que são apenas locais para uma aventura rápida tendem a ter 1 ou no máximo 2 níveis.

Zonas: Como disse, anteriormente, pense em masmorras como você pensaria em uma região geográfica, com reinos destintos, regiões geográficas diferentes, locais distintos com características próprias. Assim também pode ser as masmorras que a gente cria. Elas não precisam ser corredores e mais corredores do mesmo tipo de pedra, mesmo estilo de arquitetura e os mesmos habitantes, não. Elas devem ser lugares caóticos, intrigantes, onde diferentes complexos subterrâneos se comunicam formando uma rede de ambientes que interagem entre si. Você pode pensar em zonas como aqueles ambientes de jogos eletrônicos que separam uma região da outra (a cor muda, as criaturas mudam, mas, ainda assim, uma zona é ligada a outra). Ter o mínimo de variedade mesmo em masmorras pequenas pode fazer a diferença entre uma tarde em uma masmorra repetitiva e chata e uma tarde de diversão e espanto explorando um complexo subterrâneo onde os aventureiros encontram diversos obstáculos distintos.

Arredores: Esse é um elemento que ajuda muito quanto a criação da zonas e vai influenciar o nível dos personagens que, provavelmente, terão acesso à masmorra. Se as entradas da masmorra forem próximas a uma comunidade, provavelmente essa sofrerá alguns ataques e alguns aventureiros já terão explorado alguns de seus aposentos. É provável, também, que seus primeiros níveis sejam habitados por criaturas não muito organizadas e poderosas, caso contrário elas já teriam atacado a comunidade com força. Se houver um vulcão próximo, é bem possível que criaturas elementais habitem as profundezas do local. Se ela foi construída debaixo de um enorme campo de batalha onde centenas de pessoas morreram, mortos-vivos podem estar entre os seus ocupantes. No caso de uma masmorra isolada, ela pode ser um refúgio para uma raça de monstros, um culto secreto ou outro tipo de criatura que procure essa isolação.

Comunidades: É importante saber quais as comunidades mais próximas à masmorra. É provavelmente com ela que os aventureiros mais vão interagir, para vender coisas, comprar outras e procurar por informações sobre aquilo que encontrarem. Esses lugares são também uma boa fonte de mercenários para o grupo, de missões que podem ser oferecidas por seus habitantes, rumores sobre outros locais estranhos que podem ser explorados e, principalmente, de vítimas para os contra-ataques das criaturas que os aventureiros estão atacando. Geralmente, é bom criar pelo menos alguns NPCs importantes para que os jogadores possam interagir, como o barão local, o taverneiro, a curandeira, a capitã da guarda, o velho louco, entre outros.

Entradas: As masmorras mais comum possuem uma entrada, mas isso não é o ideal, principalmente se você está criando uma masmorra com zonas diferentes, caótica e mais interessante. Tente criar entradas em diversos pontos que levam a lugares dentro da masmorra diferentes, até mesmo a níveis diferentes dentro da masmorra. Isso permite que o mesmo local seja explorado de maneiras e perspectivas totalmente diversas, além dar a possibilidade dos aventureiros saírem da masmorra sem ter que voltar por tudo o que já passaram. Outras vantagens são que outros grupos de aventureiros podem estar explorando o mesmo local por outra entrada e que toda vez que voltarem à masmorra o grupo não precisa passar por todos os aposentos que já passaram, podendo procurar uma entrada diferente .

Superfície: Uma última coisa a se pensar sobre a masmorra é qual o reflexo dela na superfície. Há alguma construção que denuncie a existência dela? Uma torre de um mago sobre o seu labirinto insano que povoou com monstros bizarros? Um forte anão que guardava a entrada as antigas minas de mithril agora ocupadas por um dragão e seus servos? Enfim, é bem legal ter algum ponto de referência na paisagem que cham a atenção para o que há por ali. Quem sabe uma montanha em forma de crânio, uma grande estátua de um monstro antigo ou algo desse tipo.

Nas próximas postagens entrarei em mais detalhes sobre cada um desses elementos e falarei de outros truques e tecnicas para fazer masmorras mais interessantes, caóticas e, principalmente, divertidas.

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8 comentários:

  1. Na boa, esses posts sobre o lado "técnico" da narrativa fazem com que esse seja um dos melhores blogs de rpg que existem.
    ^^

    Parabéns ao escritor!

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    1. Opa, obrigado Helton!
      Eu tento, sempre que posso, passar alguma coisa que eu aprendi e dividir isso com os outros, assim como fizeram comigo. As vezes a gente até sabe que pode fazer alguma coisa para melhorar mas não sabe exatamente o que e ler alguém falando sobre o assunto faz a gente ter novas ideias para melhorar o jogo, né? O objetivo é ser útil para qualquer mesa, espero estar conseguindo! :)

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  2. Gostei muito. Eu sempre tive dúvidas práticas sobre masmorras: (1) as criaturas que lá habitam se alimentam do que? Tiram comida de onde? (2) O ar nunca acaba? Nunca fica quente ou irrespirável? Coisas do tipo.

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    1. Isso será abordado em futuros post, com certeza. Eu sempre tento pensar nessas coisas. Alguma fonte de água na própria masmorra, ou próxima a ela. Algumas criaturas comem fungos que dá em cavernas, outras comem outra criaturas da própria masmorra (ratos, insetos ou mesmo orcs). Quanto ao ar, bem, geralmente esses lugares tem alguma ventilação, seja pela entrada, seja por um rio subterrâneo ou por buracos de ventilação mesmo. Mas sem dúvida o ar dentro delas é mais pesado, mais rarefeito e mal cheiroso, o que causa bastante cansaço para quem não está acostumado.

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    2. É, eu também havia pensado em algo assim. Até criei uma espécie de "mandioca negra" que cresce no susbterrâneos sem luz. E, talvez, alguns desse fungos, musgos e cogumelos giantes façam a "limpeza do ar", absorvendo o gás carbônico e devolvendo o oxigênio limpo. Obviamtente poderiam ser cogumelos gigantes! E completamente diferente de tudo que sabemos sobre cogumelos...

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  3. "Curiosidade: A temperatura da Terra aumenta com a profundidade. Medidas feitas em minas profundas e em buracos feitos por perfuratrizes, indicam que a taxa de variação de temperatura varia de local para local e fica entre 15 a 75 °C por quilômetro. Em média, a cada 35 m de profundidade a temperatura da Terra aumenta 1ºC. Essa variação é chamada de grau geotérmico."
    http://periscopio.bligoo.com.br/content/view/957706/Odisseia-dos-mineiros-chilenos.html

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    1. Bem, nem todo cenário medieval tem esse compromisso com a ciência, mas mesmo aqueles que possuem isso não faria uma diferença tão absurda, mas poderia ser usado contra os aventureiros. As criaturas que lá vivem com certeza seriam adaptadas a esses locais, mas os aventureiros sofreriam de cansaço mais facilmente.

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    2. Com certeza esse detalhismo nem é necessário. Mas uma idéia é que muitas dungeons não tem mais do que 5 níveis. Se imaginarmos cada nível com 3,5 metros de altura, com uma distância de outros 3,5 metros entre cada nível (se fosse menor as dungeons poderiam desmoronar), então uma masmorra com 5 níveis, teria 35 metros de profundidade. O quinto nível teria apenas 1º C acima da temperatura da superfície.

      Se aumentar a distância entre os níveis para 7,5 metros, o mesmo 5º nível estaria a 55 metros da superfície. Apenas 1,5ºC acima da temperatura da superfície.

      Como você disse, nesses casos não é um dado muito importante.

      Parabéns pelo blog, já entrou nos meus favoritos. Gostei bastante.

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