quinta-feira, 15 de março de 2012

Confissão - Eu matei um personagem

Aconteceu na sessão passada. Os heróis estavam correndo contra o tempo para conseguir um artefato maligno antes dos vilões e tinham que enfrentar mortos possuídos por espíritos das trevas. A batalha foi dura e um dos personagens ficou inconsciente. Outro fugiu de medo, pânico e angústia. Um terceiro pegou o artefato e fugiu, o que atraiu a atenção dos mortos-vivos e acabou poupando a vida dos dois que ficaram para trás.

Teria sido uma escapada triunfal se o jogador não tivesse caído em uma cilada. No desespero, ele aceitou a ajuda de elfos que usavam as cores da família traidora, que se juntara as forças do mal, eu repeti as cores das vestes deles uma três vezes, mas mesmo assim ele não se ligou. E quando já estavam bem longe, indo para um lugar seguro, ele foi emboscado. Resumindo, ele morreu mas conseguiu não entregar o artefato aos inimigos pulando em um rio caudaloso que passava. Foi uma morte heróica, um sacrifício para não deixar o mal vencer.

Confesso que senti certa empolgação ao conseguir enganar o personagem e levá-lo até uma situação como essa. Talvez estivesse em "modo vilão", interpretando o líder dos traidores satisfeito com sua arapuca. Mas alguns minutos depois eu comecei a ficar receoso. O grupo com que estou jogando The One Ring é excelente, todos comprometidos com o jogo e gostam muito, mas eu não conhecia a reação deles quanto a morte de personagens, por exemplo. Será que eles ficariam chateados? Será que não iriam querer continuar a jogar por causa daquilo?

Por minha sorte, eles até gostaram de tudo aquilo. Eles sabem que a vida de um heróis, aventureiro, não é só glórias. É perigo, provação, desespero e sacrifício. E foi assim que foi essa última sessão de The One Ring. Aliás, é assim que eu acho que qualquer RPG de aventureiros e heróis deve ser. Ser herói em condições que você sabe que provavelmente vai sobreviver é muito fácil, heróis de verdade arriscam a vida e sabem que podem não voltar para contar a própria história.

Isso me levou a pensar sobre a morte nas minhas mesas de RPG e o nível de mortalidade nelas. Até onde eu lembro, essa campanha de The One Ring foi das que mais demorou para algum personagem morrer. Talvez pelo fato dela ter começado bem leve, com aventuras que basicamente era missões de exploração e entrega de mensagens em uma região estava prosperando bastante depois de uma grande guerra e que, só agora, começava a enfrentar problemas maiores e inimigos mais poderosos e organizados. Geralmente, não de forma proposital, pelo menos um personagem por aventura que mestrava chegava bem próximo da morte ou morria. Isso porque eu sentia que se a vitória não fosse suada, difícil, não seria uma aventura de verdade e, a verdade, é que eu acho que os jogadores pensam isso também.

Aliás eu tinha lido em algum lugar, que jogadores de RPG possuem um complexo de duro de matar. Eles esperam que para vencer e serem bem sucedidos seus personagens vão precisar sofrer pra caramba e isso faz o jogo mais divertido. Talvez isso não seja verdade para todo mundo, mas em relação a grade maioria das pessoas com que já joguei isso faz bastante sentido. O gosto da vitória é bem mais doce quando você precisou batalhar duro por ela, ou quando precisou sacrificar algo para alcançá-la, inclusive a vida.

Perigo e risco de morte é um dos elementos principais da vida de um aventureiro. Sem contar que é uma possibilidade muito comum em qualquer tipo de jogo, incluindo RPGs. Alguns estilos de aventuras possuem uma maior ou menos frequência de mortes. Campanhas mais épicas de alta fantasia (high fantasy) onde o principal é uma história por trás daquilo tudo, mortes tendem a não ser tão comuns (embora aconteçam) e são reservadas apenas para momentos dramáticos (como ocorreu na última sessão que narrei). Já em outros tipos de campanhas, mais voltada para a vida dos aventureiros, exploração e dia a dia dessa profissão altamente perigosa (típico de campanhas Old School, dungeon crawl, hexcrawl) a morte é um elemento bem mais comum, que pode acontecer com qualquer um a qualquer hora. Ser aventureiro em um mundo estranho com monstros terríveis, magia misteriosa e armadilhas cruéis não é nada fácil.

Algumas pessoas gostam mais de um estilo de jogo do que de outro, e isso é perfeitamente normal. Uns acham que a morte de um personagem deve ser um evento significativo e importante na história, outros acham que a morte, assim como na vida real, pode acontecer sem uma explicação grandiosa, em um acidente, por azar, e parte dos perigos de ser um explorador de masmorras e terras selvagens. Qual é o mais certo ou o mais justo? Na minha humilde opinião, não há resposta correta. Depende muito do que você e seus amigos querem do jogo.

Eu, particularmente, não gosto muito de jogos que tendem a fazer com que as aventuras e encontros dentro dela sejam sempre equilibradas e feitas para serem superadas sem precisar avaliar bem a situação. Aliás, acho saudável a existência de encontros onde a melhor opção para os personagens seja fugir, afinal, até Gandalf e Aragorn correm de situações complicadas. Nem tudo pode ser resolvido na porrada. É bem engraçado o pensamento de alguns jogadores que diz "se o mestre botou na aventura é porque temos chance de enfrentá-lo, ele não colocaria um inimigo que não conseguiríamos vencer". Além disso ser "meta-gaming", fez com que toda a imersão naquele mundo fantástico se quebre, chamando atenção para um aspecto mecânico do jogo. Não quero citar nomes, mas esse tipo de pensamento advém de alguns jogos mais recentes que fazem com que você calcule entre outras coisas o nível dos encontros de acordo com o nível dos personagens, o número de encontros fáceis, média e difíceis, mas nada de botar algo que não possa ser resolvido, afinal, os personagens são os principais da história, né? Tudo tem que girar em torno deles, até mesmo a existência de outros seres.

Enfim, aventura e risco de morte são duas coisas inseparáveis. Não haveria emoção, glória e heroísmo sem a possibilidade do personagem perder sua vida naquela perigosa missão. A morte possui funções diferentes em cada tipo de jogo, seja criação de momentos dramáticos ou lembrar que ser explorador de tumbas amaldiçoadas não é tão seguro como ser operador de telemarketing. E você, como vê esse tema tão polêmico?

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4 comentários:

  1. Esse que em quase toda a aventura chegava perto da morte, pelo menos no último arco da campanha foi um certo Hobbit...

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  2. Já foi você, já foi o Klandrin, o Drarin, a Elmara. Acho que só o Aerandir que tem se salvado.

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  3. Reflexão interessante.
    Tive um problema bem grande com a questão da morte de personagens em uma campanha passada. Os jogadores ficaram tristes/bravos e ficou uma situação meio chata na mesa.

    Mas concordo com você, se tivesse na mesma situação novamente, faria a mesma coisa. Aventurar é se arriscar!

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  4. Gosto muito mais de rpgs no modo hard e um dos que se encaixam bastante por ser cruel com os pjs eh o warhammer. Numa campanha q eu mestrei um pj entrou na frente em um esgoto, como batedor, pois estavam atras de uns skavens (sao homens ratos inteligentes divididos em clans e que constroem armas, maquinas, etc) e um eshin (clan assassino) soprou uma seta de zarabatana nele com veneno de manticora. O pj falhou no teste de thoughness e caiu morto na hora. Todos se divertiram e ficam arrepiados toda vez que encontram um enshin. No warhammer eh assim, dark fantasy, todos querem tirar proveito dos pjs, ninguem oferece um emprego sequer de graça, mas soh na segunda ed. A terceira jah nao gostei. Abs

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