sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Misturando Fantasia e Ficção Científica



Na quarta-feira dessa semana, eu me encontrei com o Rafael Beltrame (do blog Moostache) e com o Igor Moreno (da Flying Ape) em um Google Hangout para falar sobre a mistura de Ficção Científica e Fantasia nas mesas de jogo (vejam o vídeo acima). O papo foi bem legal e demos uma passada rápida no assunto, falando de jogos que abordam um cenário que envolvem os dois gêneros, experiências de jogo que tivemos em que isso acontecia, a origem dessa mistura, e um sobre como fazer isso no seu jogo. Mas eu gosto tanto desse tema, e acho isso tão integral à OSR (Old School Revival) que eu decidi escrever esse artigo para falar mais sobre o assunto.

A primeira coisa que alguém pode se perguntar é "por que misturar esses dois gêneros tão distintos?". Ficção Científica explora a ciência, e a Fantasia explora a magia e o sobrenatural, certo? Não exatamente. A ciência da ficção científica, se pararmos para analisar, é praticamente magia, tentando ser encaixada no limite da razão. Para uma pessoa comum, do nosso tempo, ou principalmente de uma era medieval, essa tecnologia e a feitiçaria seriam praticamente indistinguíveis. Aliás, para os autores dos livros que inspiraram os primeiros jogos de fantasia, essa separação também não existia. O famoso Appendix N do Dungeon Master Guida da primeira edição está cheio de exemplos de história fantástica em que guerreiros valorosos lutam com suas espadas contra feiticeiros em locais estranhos, com naves, armas de raios e até alienígenas. O primeiro cenário de jogo, Blackmoor de Dave Anerson, era um mundo de fantasia com naves, alienígenas e pistolas laser.

Adicionar esses elementos de super tecnologia em um mundo de fantasia pode ser muito enriquecedor, e levanta umas perguntas bem interessante sobre o mundo de jogo. De onde veio esses artefatos? Quem os produziu? Como eles funcionam? Há como produzir mais deles? Essas são perguntas que adicionam um mistério ao jogo, uma surpresa, e dão um diferencial para o mundo. Nem tudo é conhecido, nem tudo que existe no cenário é compreendido e codificado.

Há um certo padrão de que os mundos de fantasia no qual a maioria dos RPGs são ambientados se passa em uma época logo após uma grande decadência, catástrofe, ou algo parecido que acabou com um período de grandes conquistas e glórias. O mundo está se recuperando e voltando a caminhar na direção da luz, mas ainda há centenas de sombras ao redor, ameaças, e coisas ruins a serem superadas. Muitas vezes, a população atual do mundo não se recorda completamente desses tempos gloriosos, e as conquistas dessa época são quase como lendas ou rumores. Sendo assim, não seria possível que as civilizações passadas tenham alcançado um desenvolvimento tão grande ao ponto de transformar a primitiva magia em tecnologia acessível a todos?

Quando o cataclisma e a decadência desses povos antigos aconteceu, esses artefatos "mágicos" foram esquecidos e deixados nas centenas de ruínas pelo mundo. Alguns sem funcionarem mais, mas outros ainda mantendo parte de sua energia (eram baterias muito eficientes). A energia que abastece esses objetos pode ser derivada da mesma energia que permite que os atuais magos e feiticeiros conjurem feitiços, mas pode ser uma energia diferente também (assim como existe magia divina, magia arcana, e psionismo, a energia desses artefatos tecnológicos pode vir de outra fonte estranha).

Mas existem diversas outra possibilidades e justificativa para existir esses elementos de ficção científica no seu jogo de fantasia. Quem sabe não existiu uma raça antiga que criou os humanos e dominava uma ciência avançada, até mesmo com experiência de engenharia genética? Talvez as experiências tenham dado errado em um ponto e a sua espécie tenha desaparecido, deixando para traz diversos vestígios que hoje os povos locais consideram artefatos sagrados. Ou então, pode ser que os homens atuais sejam descendentes de uma civilização que veio de outro mundo, de outro tempo, mas que já esquecera de suas origens. Enfim, as possibilidades são infinitas, mas acho que o grande segredo é transformar a tecnologia e a ciência nesses jogos de fantasia em coisas são misteriosas e fantástica como a própria magia, quem sabe até mais.

Por fim, fica a pergunta sobre como integrar isso ao jogo, à mecânica dos sistemas? Na maioria das vezes, não é preciso muito trabalho. No mundo de jogo pode haver centenas de razões e motivos para dizer que essa tecnologia funciona de maneira diversa à magia e outras coisas, mas em termos de regras não há necessidade. Uma arma laser pode funcionar da mesma forma que uma besta, ou uma varinha, e talvez possa ser de tão fácil manuseio que qualquer um pode usá-la. É claro que para começar a usar esses artefatos os personagens precisam tentar compreendê-lo. Isso pode pedir Testes de Inteligência, e uma falha pode gerar a chance da coisa funcionar de forma errada, explodir ou algo do tipo. A criatividade e a crueldade do Mestre de Jogo são o limite aqui. A cada uso o artefato pode ter uma chance de parar de funcionar, já que está a centenas de anos sem manutenção, ele pode explodir, ou quem sabe ele se alimenta da energia da vida humana (gostei dessa, se preparem meus jogadores).

Enfim, a questão é que não há uma razão para fazer ou deixar de fazer essa mistura. No início do nosso hobby esses dois gêneros de ficção não era tão separados assim, e não há um motivo para eles continuarem sendo. Acredito, inclusive, que faz parte dessa retomada do passado do movimento Old School de retomar esses amalgamas e quem sabe ir além dele, criar coisas novas com isso. Para quem estiver acompanhando o desenvolvimento do Bruxos & Bárbaros, deixo avisado que em Anttelius há coisas além da feitiçaria que os humanos não conseguem compreender.

E vocês? Qual a experiência que tiveram com essa mistura? Já jogaram muitas mesas em que um bárbaro de machado de duas mãos podia conviver com um feiticeiro com um rifle laser?

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