terça-feira, 9 de abril de 2013

Evitando Railroading - Pela Liberdade dos Jogadores

Uma definição comum de RPG é "Um Jogo de Contar Histórias". Infelizmente, essa definição passa uma imagem que eu acho um tanto imprecisa. Um jogo de RPG pode até ser isso mas, para mim, ele pode, e deve, ser muito mais. Ao contar uma história, assume-se que ela já está definida, e que as pessoas vão, meramente, assistir ela se desenrolar, passivamente. Se for assim com o RPG, os jogadores e seus personagens teriam pouca influência no jogo, não é?

Pois é, mas existe um estilo de jogo que é justamente assim, o Railroading. Ele tem esse nome para fazer referência aos trilhos de um trem. Os personagens são colocados em um caminho que devem seguir para que a história seja contada. Suas escolhas tem pouca a nenhuma influência sobre o desenrolar da história, e eles são mais parecidos com atores encenando cenas de uma história do que personagens que podem alterar todo o ruma da mesma. Não há muitas escolhas significativas no jogo, mas podem haver ilusões de escolhas. É um estilo propício para grupos que querem apenas contar histórias épicas, que tenham bem definidos, começo, meio e fim, com pontos de clímax programados e essas coisas. O objetivo é recriar histórias parecidas com livros, a maioria das vezes. Nada contra, mas eu, particularmente, quero algo diferente para os meus jogos. Se quero assistir uma história, vejo um filme, leio um livro. Quando jogo RPG, quero ser surpreendido, quero que a história seja mutável, imprevisível, e quero escolha reais. Assim, preparei algumas dicas para quem quiser evitar esse estilo de jogo e fazer aventuras mais abertas, que não forcem os jogadores por um caminho pré-determinado.

Não Conte Histórias: Não pense em uma histórias a serem contadas, com resultados e finais definidos. Pense em situações que são interessantes por si só, lugares que são dão vontade de explorar por si sós, e, depois, simplesmente deixe que os personagens entrem em contato com esses elementos. Não pense em uma aventura como uma história, mas como um processo de se criar uma, ao longo do jogo.

Deixe-se Surpreender: Você pode até programar alguns eventos, e tentar prever alguns resultados, mas jamais se prenda a isso. Mesmo se você pensar em três maneiras diferentes de se chegar a algum lugar ou realizar alguma tarefa, é bem possível que os jogadores pensem em outra forma de fazer aquilo. Esteja aberto a aceitar essas soluções diferentes se elas fizerem sentido, mas seja firma para afirmar que que elas não dão certo caso não façam, também.

Incertezas e Escolhas: Enquanto na literatura e no cinema, o objetivo principal da obra é ser original e diferente, no RPG, o principal, é a incerteza do que acontecerá, e a possibilidade de escolher seus próprios rumos. Originalidade de trama e situações é legal, mas o maior atrativo não é esse, a maioria das vezes, mas sim a possibilidade de se alterar a história e tomar suas próprias decisões, sem saber o que vai acontecer depois.

Liberdade, não é Liberdade Total: Quando falo em dar liberdade aos jogadores de fazerem o que quiserem, eu não estou dizendo que eles podem fazer absolutamente tudo. Algumas situações podem acabar limitando suas escolhas, desde que elas sejam plausíveis e exista uma explicação dentro da aventura para isso. Limitações arbitrárias, no entanto, não devem ocorrer. Não deixar que eles sigam pelo caminho da esquerda porque você não preparou nada para ele é injusto, mas se houver algo bloqueando a passagem deles, e eles tenham alguma chance de contornar ou superar esse obstáculo, não há nada de errado.

Não Force, Converse: Se alguma coisa precisa realmente acontecer para que o resto da aventura possa seguir (e nesse resto, os jogadores terem liberdade), converse com os jogadores antes, explique a situação. A imensa maioria deles vai entender, afinal eles estão ali apenas por algumas horas, na esperança de se divertir, rolar uns dados e fazer escolhas.

Não Fale pelos Personagens: Não diga o que os personagens dos jogadores fazem ou o que eles sentem. Deixe que os jogadores decidam isso por si só. Apresente a situação da melhor maneira que puder e deixe que eles tomem essa decisão sozinhos (salvo, é claro, quando há alguma tipo de controle mágico).

Escolhas Forçadas: Situações que forcem a tomada de alguma decisão não é Railroading, desde que haja mais do que uma opção. Não é incomum, e é até bem interessante, ter nas aventuras situações que forcem os jogadores a tomarem uma decisão difícil imediatamente, como, por exemplo, salvar a si próprio, ou colocar-se em risco para salvar uma pessoa amada. Se tem imprevisibilidade, não é Railroading.

Não Escolher Também é uma Escolha: O trabalho do mestre é criar situações em que a escolha dos jogadores passam alterar o resultado. Se há uma frase que resumo o espírito desse jogo, ela é "O que vocês fazem?". Se a resposta deles for "nada", essa é uma escolha, e você não deve se sentir culpado com isso. Se você apresentou situações diferentes, interessantes e que dão diversas escolhas a eles, e, mesmo assim, eles optam por não fazer nada, é uma escolha deles e eles devem viver com as consequências. O mundo não gira ao redor dos personagens, e se a todo momento você se forçar a trazer a aventura até eles e eles não se esforçarem em correr atrás delas, seus jogadores jamais serão pró-ativos.

Aceite os Dados: Como dito acima, o atrativo do RPG é a imprevisibilidade, e os dados são a maior representação desse fator. Sendo assim, aceite seus resultados. Sejam eles muito bons ou muito ruins, as aventuras se enriquecem com a sua imprevisibilidade e o jogo se torna mais divertido quando se tem que lidar com a surpresa. Evite trapacear nos dados, é bom que todos aprendam a aceitar o que a sorte e os deuses lhes guardaram.

Vitória ou Derrota: Dessa forma, é bom estar preparado para acertar as vitórias e as derrotas possíveis. Muitos jogos assumem que, no final, os personagens serão vitoriosos e retornaram da aventura com o que queriam. Não assuma isso, e não force o jogo para ter esse resultado. Seja imparcial. Se a vitória dos jogadores for garantida, não há desafios reais e toda a aventura foi uma farsa. Esteja preparado e prepare seus jogadores para assumirem o risco das coisas darem errado. Se não houver possibilidade de derrota, não existirá nenhuma vitória.

Abra Espaço para o Aleatório: O uso de tabela de encontros aleatórios e outras mecânicas que inserem coisas inesperadas no jogo são uma ótima maneira de se certificar que as coisas não sigam um trilho fixo.  Use e abuse dessas coisas.

Bem, acho que com essas dicas rápidas já dá para evitar muitos caminhos pré-determinados. Nada contra quem prefere esse estilo de jogo, mas para quem quiser fugir disso, nunca é demais alguma ajuda, né?

Imagem por "~NecRum-2111" do DeviantArt.

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14 comentários:

  1. Gosto bastante dessas postagens gerais sobre dicas e formas de ver o jogo de RPG. Essa questão da imprevisibilidade me incomodava no D20. Sei que nem todas as messas são assim, não precisam ser assim, mas eu tinha jogadores começando o jogo e bolando seus personagens do nível 1 ao 20. Estão errados? Não, mas não é o que me agrada. Essa esquematização já tornava certas atitudes e eventos no jogo previsíveis.Parabéns pelo post, Diogo!

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    1. Vou te dizer que isso me deixava incomodado também, mas era algo que os próprios livros diziam para os jogadores fazerem. Afinal, as regras do jogo já davam essa incentivada no Railroading definindo que os encontros eram sempre feitos em um nível que os jogadores pudessem vencer. O sucesso deles era quase que garantido.

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    2. Meu grupo na verdade se tornou especialista em fazer isso, montar o personagem do nível 1 ao 20. Estão atualmente no nível 12, mas já tem uma planilha das habilidades, talentos, classes de prestígio e armas que querem obter, tudo planejado até o 20. Mas a questão é que eles gostam disso, eles gostam de ver seus personagens se tornando o máximo que poderiam. É meio que uma satisfação pessoal conseguir criar o melhor build de personagem que eles conseguirem. Mas mesmo assim eles se envolvem na história, participam e tal, o desafio na verdade torna-se criar obstáculos desafiadores que mantenham o passo com a evolução deles.

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  2. Gosto de aventuras Railroading... Mas também admiro muito quando a imprevisibilidade é parte presente da sessão. Muitas vezes, só ao deixar os personagens fazerem o que querem, muitas coisas legais acontecem.

    Parabéns pelo post Diogo

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    1. Valeu Thiago. Sei que tem um público cativo para o tipo de aventura que o Railroading representa. Eu já foi desse grupo, mas acabei cansando e admiriando mais o caos e a baixa fantasia.

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  3. Vendo a postagem lembrou muito da outra que fala do estilo Sandbox.

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    1. Então, Eriberto, elas tem uma certa relação. Afinal, todo jogo Sandbox nunca vai ser um Railroading. Mas nem todo jogo que não é railroading vai ser Sandbox.

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  4. Estou mesmo atrás no máximo que puder saber sobre Sandbox... narro atualmente narro uma aventura com outro mestre, que acabou por ficar meio Rail-roading (eles escoltam alguém pelo mundo, mas quem os contratou disse os melhores lugares de parada, então eles ja tem meio a trilha que seguir). Um bom post seria ´Como trazer a aventura até os jogadores´ (não com esse título). Trazendo exemplos como quadros de avisos, rumores em tavernas, situações inesperadas no meio da estrada, mapas achados, etc

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    1. Pois é Peregrino, meu plano era fazer uma série de postagens construindo um cenário Sandbox. Mas como estou querendo lançar o "Jogo Rápido" do Bruxos & Bárbaros a tempo do World RPG Fest, estou meio que concentrando meus esforços nele. Mas volto a esse projeto depois.

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  5. Eu quero aventuras épicas E sem railroading! :)

    Não acho que aventuras épicas no estilo das boas fontes literárias (e cinematográficas) do nosso hobby sejam impossíveis sem railroading.

    E claro, o sistema pode ajudar ou atrapalhar no fator que influencia nessa combinação acima... ^^

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    1. Possível é, mas você tem que estar aberto à possibilidade de dar tudo errado e os personagens não serem tão heróicos quanto os dos livros né?

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  6. Essa parte é que acho mais difícil e mais gratificante do jogo, como mestre tentava ao máximo fugir das coisas pré determinadas. Dava muito trabalho, mas era extremamente gratificante. Bom post, dos blog de Rpg que acompanho acho suas postagem está entre as melhores.

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  7. Vou ser bem sincero, qualquer coisa que não se encaixe nessas "premissas" básicas, não se denominam RPG para mim.
    Não gostou!?! Uma pena, você não joga RPG, mas algo similar...

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