segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Crônicas da Era Hiboriana - A Tumba de Tuhan - Parte II


Os três cavalgaram por algumas horas, até perderem de visão a cidade entre as colinas. Ao oeste deles o Rio Shirki corria para o sul, suas águas caudalosas, mas não tanto quanto há alguns meses. Agora, longe dos olhos curiosos, Hashin pegou novamente o mapa que compraram do ancião e o estudou melhor. Pelo que conseguia entender dos desenhos e dos símbolos, que se assemelhavam ao Stygiano, no qual era alfabetizado, a tal tumba ficaria a noroeste, nas colinas próximas do Monte Golmira.

Sendo assim, o grupo precisava atravessar as águas do Shirki, e a ponte mais próxima ficava, justamente, na cidade de onde acabavam de fugir. Precisariam, então, encontrar uma passagem onde as águas fosse mais rasas. Passou-se quase o dia todo, até que chegaram a um ponto que julgavam ser o mais propício para a travessia.

Antes de passarem um a um, eles tiveram a ideia de mandar Sveinsonir na frente, a fim de que ele amarrasse uma corda em uma pedra do outro lado. Forte como um urso que vive no norte, o gigante loiro cruzou as águas do Shirki sem problemas, e fixou a corda no outro lado, em volta de uma sólida pedra. Depois disso, nem mesmo o frágil estudioso Vendhiano teve muita dificuldade em concluir a travessia, apesar de ter demorado bem mais que os outros.

As estrelas brilhavam timidamente entre as espessas nuvens no céu de Aquilônia quando o grupo chegou às colinas. Tudo indicava que chegariam ao local onde a tumba ficava depois da metade do dia seguinte. Agora precisavam descansar e se recuperar do dia agitado que tiveram.

Um pouco a frente, encontraram um vale estreito entre as colinas por onde um riacho pequeno corria, ali se abrigariam durante a noite. Sveinsonir saiu para caçar e logo voltou com um javali sendo arrastado, com o crânio irreconhecível. A noite seria boa, e aquecida junto à fogueira. Hashin, sempre com suas manias enigmática separou todo o sebo do animal e o guardou em um saco improvisado com seu couro, fazendo, até mesmo, o Aesir ficar enojado.

Quando terminaram, estavam estufados e com o peso de um porco em suas barrigas. O sono vinha se apoderando deles, e uma chuva fina caía sobre a região. Entre as nuvens a lua brilhava pálida como um cadáver. Do norte, começou a soprar um vento gelado, não usual para a época do ano, e de longe, ecoando entre as árvores, o uivo de coiotes que faziam congelar as espinhas de homens corajosos.

- Por Ymir, essa terra é amaldiçoada, eu digo a vocês - disse o asgardiano.

- Isso apenas nos diz que estamos no caminho certo, companheiros - Almeric disse sorrindo, ainda que no seu âmago, seu espírito estivesse preocupado.

Pouco dormiram naquela noite, acordando com o mais leve barulho na mata. Esperavam que a qualquer momento um monstro surgisse da escuridão, com garras e pressas para devorá-los. Logo cedo, com o nascer do sol, se levantaram, sem trocar muitas palavras. Seguiram o caminho que tinham planejado na noite anterior e, em pouco tempo, já começaram a ver sinais de que estavam na direção correta.

Colunas antigas jaziam em pé, isoladas no alto de colinas, enquanto outras estavam quase soterradas nos vales. Aqui e ali eles viam paredes de construções que há muito não estão mais em pé. Sinais de uma civilização que foi devastada e desapareceu, assim como a deles um dia desapareceria. Consultando o mapa por algum sinal que pudessem utilizar para encontrar a tumba, Hashin viu o desenho de um arco sobre dois pilares em formas de serpentes, onde estava entalhado, no idioma antigo, algo que poderia significar "debaixo das estrelas". Nossa hora, ele percebeu que ao redor do mapa havia diversos desenhos de constelações e uma, bem no centro dele, logo acima da imagem do portal. Pelo que sabia, aquela constelação era chamada de "Guerreiro Vermelho", e estaria no céu naquela noite.


Já passava da metade do dia quando, ao longe, viram o arco que se parecia com aquele de mapa. Todo em uma pedra verde escura, como o jade, coberto de vinhas e musgo. As duas serpentes enroladas sobre os pilares onde estava apoiada uma grande pedra, com os mesmos símbolos desenhados no pergaminho. No entanto, foi apenas isso que encontraram. Um portal, no meio de uma colina alta, sem nenhuma construção ao redor. Procuraram por uma escada ou alçapão, mas nada encontraram. Sveinsonir e Almeric saíram a procura de mais alguma construção ou algo que pudessem investigar, mas Hashin ficou lá, estudando as inscrições. Algo que lhe dizia para não sair dali, e aguardar.

E assim passaram algumas horas. O bárbaro do norte já estava ficando impaciente e querendo voltar para Tanasul e esmagar os ossos do velho que lhes vendera o mapa, quando, de repente, após o por do sol, uma imagem translúcida começou a se formar na passagem do arco, e a constelação do Guerreiro Vermelho brilhava, ainda fracamente, no centro do céu, que escurecia a cada segundo. Olhando atentamente, eles começaram a ver um corredor de pedra escura, lisa, a mesma da qual o portal era feito, mas sem nenhuma sujeira, vinha ou musgo. Quatro estátuas de pedra, na forma de homens seminus, usando elmos e uma gigantesca espada que brilhava com uma luz azul bruxelante, flanqueavam o corredor, que seguia por cerca de doze metros até uma grande porta de ferro adornada com pedras preciosas. No seu centro um círculo, com vários trilhos e mais gemas que podiam ser deslizadas por eles.

Espantados, eles verificaram, andando ao redor do portal, se havia aparecido uma construção, mas a imagem estava apenas dentro do arco. Uma feitiçaria estranha se mostrava diante deles. Hesitante, porém excitado pelo mistério e possibilidade de acabar um bruxo e pegar seu tesouro, Sveinsonir foi o primeiro a entrar no portal - Venham, viemos até aqui, não podemos voltar agora.

O chão do corredor era tão sólido como as pedras das colinas, olhando para trás, eles viam o gramado e as estrelas do lado de fora, à frente, o corredor de pedra escura e a grande porta de ferro. Essa perecia amovível, provavelmente trancada. A placa circular na sua metade, provavelmente, funcionaria como uma tranca. Pequenos trilhos circulares concêntricos por onde podiam ser deslizadas pequenas gemas azuladas que emitiam um brilho fraco. Então, Hashin percebeu do que aquilo se tratava. O número de gemas era o mesmo do número de estrelas da Guerreiro Vermelho, bastaria alinhá-las de forma correta para que a porta se abrisse.

Usando seus conhecimentos de astrologia e observando bem o mapa, o Vendhiano foi, calmamente, deslizando as gemas, até que ouviu um som mecânico grave, como de uma alavanca. E os portões começaram a se deslocar para os lados, revelando um aposento quadrado, todo de pedra lisa, onde na parede oposta ficavam uma porta de ferro e, ao seu lado, duas estátuas de pedra a esquerda, e mais duas a direita. Eram estátuas muito parecidas com aquelas que tinham visto no corredor, eram homens usando apenas um elmo, mas, aqui, estavam portando um arco com uma flecha, apontando para a entrada, por onde vinham os aventureiros.

Receosos de que aquilo poderia ser uma armadilha, o grupo decidiu que testaria as estátuas antes de entrar na sala. Sveinsonir, não vendo uma pedra solta no corredor que parecia ter sido esculpido de uma gigantesca única rocha, pegou sua marreta e a bateu contra a parede até que conseguisse lascas o suficientemente grande. O barulho ecoou por todos os lados, se houvesse alguém ou alguma coisa naquele lugar estranho, eles já sabiam que tinham visitantes.

Os três, então, arremessaram os pedaços de pedra pelo chão da sala a frente, mas nada ocorreu. Mesmo assim, Almeric, sabiamente, preparou se escudo para bloquear qualquer alvejada e adentrou o aposento cautelosamente. Logo no seu primeiro passo, sentiu que o chão se afundou milimetricamente abaixo dele, e as quatro estátuas dispararam seus arcos. O som de projéteis atravessando o ar imóvel daquele lugar cortou o silêncio. Duas flechas acertaram apenas o escudo do guerreiro, uma terceira passou raspando por sua cabeça, levantando os cabelos de sua nuca, mas uma terceira o atingiu na perna, fazendo um corte leve. As estátuas, agora, permaneciam imóveis, não parecendo que atirariam mais flechas, eram apenas armadilhas mecânicas, para o alívio do supersticioso asgardiano, que já acreditava se tratarem de estátuas vivas.

Os elmos e arcos, diferentemente delas, não eram de pedra, mas do material do qual normalmente são feitos, madeira e aço, ambos habilmente bem feitos, com detalhes ricamente adornados, possivelmente valendo uma boa quantidade de ouro.

- Bem, já encontramos algo que deve nos pagar algumas noites com as damas e algumas cervejas - disse Sveinsonir.

- Mas esses objetos vão nos atrapalhar se quisermos continuar a explorar esse lugar. Deve haver coisas mais valiosas por aqui. Vamos em frente, podemos voltar depois e recolher esses elmos e arcos - respondeu Almeric, mantendo sempre o foco no objetivo maior.

A porta desse aposento levava a outro, bem maior, largo e cumprido, com um teto que se perdia na escuridão. Tochas acesas com a mesma luz azul bruxelante do primeiro corredor iluminavam as paredes mas deixavam o centro da sala numa penumbra. Ali, uma gigantesca estátua de um guerreiro de ombros largos e cabelos esvoaçantes, debaixo de um elmo adornado com dezenas de pedras preciosas, parecia apontar o dedo indicador da mão direita para eles, enquanto a mão esquerda segurava um claimore apoiando no chão.
Dali eles podiam ver um arco de passagem no centro da parede oeste e outro no centro da parede norte. Sobre cada uma delas, uma placa de pedra negra, adornada com símbolos antigos, repousava.

Começando a detestar todas as estátuas daquele lugar, Sveinsonir e Almeric começaram a andar pelo aposento mantendo-se colados às paredes, em direção à passagem oeste. Estranhamente, a estátua começou a girar lentamente, acompanhando o andar deles com o dedo esticando de sua mão. Ao alcançarem a passagem, viram que ela dava para um corredor estreito, também iluminado pelas tochas estranhas, que fazia uma curva perpendicular para o sul, saindo do campo de visão.

- Esperem, acho que consigo ler o que está escrito nessas placas antigas ou, pelo menos, entender um contexto geral - disse Hashin, retirando de sua mochila uma velha luneta que ganhara de seu falecido mestre. De longe, ainda que com a luneta, a iluminação não era muito boa, mas o que ele conseguiu enxergar parecia indicar que aquele corredor levava a uma espécie de sala de observação - Acho que, por aí, chegaremos a uma sala de observação, seja lá o que isso for.

- Pois bem, fiquem para trás, então. Eu vou explorar esse corredor e ver o que há depois da curva - Almeric segurou firme sua espada e levantou se escudo, ao dar o primeiro passo para dentro da passagem. Imediatamente, do dedo da gigantesca estátua do centro da sala saiu uma grande rajada de fogo, como a baforada de um mitológico dragão. O guerreiro bretuniano rapidamente se escondeu atrás do arco e lá permaneceu imóvel, enquanto o fogo quente soprava por alguns segundos, até sua chama ir diminuindo e se extinguir. Todos ficaram parados, esperando por mais, mas nada ocorreu. Almeric saiu de seu esconderijo para se esconder novamente, achando que a armadilha se ativaria de novo, mas nada ocorreu.

- Acho que isso é tudo - disse ele - Vamos ver o que há mais para o fundo do corredor - E os passos que deu ecoaram pelo silêncio sepulcral do local. Depois de alguns metros, a imagem dele sumiu dos olhos de seus companheiros e ele se viu diante de um aposento pequeno, onde descansava um trono de pedra negra com veias prateadas, todo esculpido com detalhes de várias serpentes, com gemas vermelhas, como rubis, em seus olhos, e escamas de ouro. Com certeza poderiam desmontar aquele artefato e conseguir uma boa fortuna, mas fariam isso depois. Nada mais na sala chamava atenção, a não ser o fato das paredes serem extremamente lisas e polidas, funcionando quase como um espelho, que refletia os vários brilhos avermelhados dos olhos das serpentes na cadeira.

- Podemos voltar aqui depois para pegarmos alguns rubis e ouro, mas não há nada demais nesta sala, vamos em frente - Almeric se virou para ir embora. No entanto, nesse momento, ele ouviu, muito baixo, o som de alguma criatura rastejante se movendo, e o sibilar hipnótico de uma serpente. Ao se virar, o guerreiro viu uma enorme cobra albina, com os olhos vermelhos como sangue, que, como um raio, o atacou mordendo seu ombro esquerdo, que ardeu como se estivesse em chamas. O veneno da criatura começava a correm em suas veias.

Mantendo uma calma e concentração sobre-humanas, Almeric não fugiu, mas lançou-se sobre a serpente encravando sua espada no corpo da maldita, e encravando a lâmina em uma dobra do trono, prendendo a criatura e sua espada. Imediatamente ele saiu correndo, com a mão direita em seu ombro, que ardia bastante - Argh, maldição, há uma serpente gigante aqui, e acho que ela é venenosa!

Imediatamente, o gigante de asgard levantou sua marreta e pariu apressadamente pelo corredor para encontrar o monstro. Com um balançar poderoso golpeou a cabeça horrenda do monstro, da qual escorria um líquido espesso, transparente. Um sangue escuro jorrou da cabeça da criatura, manchando as paredes escuras de um vermelho vibrante - Finalmente algo que eu possa esmagar com minha arma!

O monstro se levantava e dançava como uma meretriz de Shem, preparando-se pra dar um mordida veloz no gigante do norte quando, de repente, um seta de besta perfurou o meio de seu crânio e ela caiu, desfacelada, ainda tendo espasmos. Hashin disparara o projétil de sua besta, seu olhos cerrados como de um felino.

- Boa pontaria, rato de livros - Disse o argardiano - Agora, você, Almeric. Fique quieto, acho que posso retirar um pouco do veneno que o monstro injetou em você.

Com a boca o bárbaro do norte chupou o veneno do ferimento no ombro do companheiro, cuspindo logo em seguida o liquido viscoso. O Bretuniano ainda sentiria uma dormência e tonteira pelo corpo, mas ao menos sobreviveria.

- Que belo trono esse, não acham? - Sveinsonir falou, andando em direção ao assento decorado de serpentes, gemas e ouro. Sem falar nada ele se sentou, sorrindo, imaginando-se rei de algum reino distante. Só que algo aconteceu. Uma névoa foi se formando ao seu redor, obscurecendo sua visão. Então, uma imagem, como de outro mundo, começou a se forma em sua mente. Uma região de colinas, onde no oriente um rio corria caudaloso. Torres, fortes e cidadelas brilhavam contra um sol dourado como o outro. Um grande exército em formação, de homens muito parecidos como aqueles das estátuas, sendo comandados por um gigante, usando uma armadura de anéis de metal e uma claimore ornada com pedras preciosas. Aquele era Tuhan, ele sabia disso. Cenas de batalhas e guerras se sucederam, com o sangue escorrendo para o rio, que corria rubro, agora. Em uma piramide com símbolos e desenhos de formas geométricas, Tuhan se dirigia ao topo. Lá, ele performava um ritual, uma dança com cânticos sinistros, em uma linguagem que o homem não deveria ser capaz de pronunciar. E do céu, algo terrível surgiu, esticando seus tentáculos para a terra, com centenas de olhos que anunciavam um inteligência demoníaca e alienígena. Aquilo fora demais para a mente do Asgardiano, e ele imediatamente se levantou. Um suor gelado escorria de sua testa, enquanto seus olhos estavam arregalados, como se tivesse visto um fantasma.

- O que aconteceu, Svein? Você começou a tremer e falar palavras estranhas em uma língua antiga. O que aconteceu? - perguntou Hashin, ansioso pela resposta.

- Eu vi algo, algo terrível, que o homem nunca deveria ter visto. Este lugar é amaldiçoado. Por Ymir!

- Uma visão? Eu preciso ver com meus próprios olhos, quem sabe não descobrimos algum segredo antigo que possa nos ajudar em nossa busca? - Então o estudioso de Vendhia se sentou no trono, também. Em pouco tempo sua visão da realidade foi substituída por outra, e ele também viu as colinas, as torres e o exército. Na pirâmide, ele ouviu o mesmo cântico, e a mesma criatura indescritível veio do abismo do céu negro. Só que dessa vez, em sua voz sinistra e maquiavélica, ela pronunciou o nome de Hashin. Isso foi o suficiente para ele ceder, e se levantar, também perturbado com a visão. Só que, agora, a sensação de que algo inumano agora sabia da presença deles ali.

Mesmo assim, ele preferiu não mencionar aquilo para seus companheiros, sua curiosidade era maior que seu pavor, naquele momento. Juntos, os três voltaram ao grande salão da estátua e se dirigiram à passagem norte. Isso, depois de Sveinsonir usar a espada do bandido que mataram em Tanasul para arrancar alguns dos rubis da cadeira.

O que viram foi um salão cumprido, com um grande piscina de águas escuras no centro, se estendendo por dez metros. No seu fundo, podiam ver o brilho de várias safiras, brilhando como estrelas no céu negro. Elas estavam ajeitadas como constelações antigas, algumas que não mais apareciam no céu dos reinos do oeste. Ao redor, pilares esculpidos na forma de pessoas envolvidas por grandes serpentes, e na parede oposta, uma escada parecia levar a níveis inferiores. O brilho das safiras iluminava parcamente o ambiente.

- Nem pensem em mergulhas nessas águas sinistras, atrás das safiras em seu fundo. Sinto que há algo além das gemas em seu fundo - Hashin falou, contornando o aposento, mantendo suas costas para a parede, em direção às escadas no fundo. Os dois guerreiro fizeram o mesmo, mantendo os olhos atentos na superfície lisa como um espelho da piscina.

Quando chegaram do outro lado, viram a escada que levava ao nível inferior. Ela era muito bem trabalhada, com imagens de serpentes em todos os degraus, com um teto baixo e uma inclinação perfeita de quarenta e cinco graus. Uma escuridão profunda era tudo que conseguiam ver quando olhavam para baixo. Sabendo dos perigos que poderiam correr, e acostumados a suspeitar do pior sempre, Sveinsonir pegou sua corda e amarrou uma ponta em um dos pilares mais próximos, quando, estranhamente, algo se moveu nas águas escuras da piscina. O asgardiano não quis aguardar para ver o que era e logo voltou para próximo de seus companheiros. Eles acenderam uma tocha e se viraram para o buraco, que mais parecia uma grande boca de um gigante adormecido.

Segurando na corda, os três foram descendo, degraus após degraus, até que o cumprimento da corda se mostrou insuficiente. Então, Almeric pegou sua corda e amarrou na ponta daquele que se mostrara curta, e continuaram. Alguns minutos depois, a segunda corda também se mostrou insuficiente, e Hashin usou a sua, a última do grupo. Já deviam ter descido mais de 40 metros quando a corda do Vendhiano também acabou. Agora não tinham opção se não continuar a descida sozinhos, sem o apoio das cordas. Assim foram caminhando, por muito tempo, a escuridão parecendo ficar mais espessa e sinistra, como se tentando avançar sobre eles. Até que, alguns minutos depois, eles avistam o piso do andar inferior.

Chegaram em um aposento pequeno, mas largo. Na parede oposta, havia uma porta dupla de pedra, entalhadas na imagem do grande guerreiro com cabelos esvoaçantes e elmo fechado. Na frente deles, uma grande mesa em forma de uma maquete da região, com o Monte Golmira e o Rio Sharki. Sobre ela, diversas estatuetas de pequenos guerreiros de ouro e prata estavam espalhadas, como alguém estivesse preparando uma estratégia de ataque. O bárbaro do norte ficou feliz em encontrar algo que cabia nos seus bolsos para variar, e os encheu com as pequenas estatuetas.

- Parece que o que procuramos deve estar por trás desse portão - disse Almeric, com um sorriso meio torto, por causa do efeito do veneno que ainda corria em seu corpo. Ele e Sveinsonir empurraram o portão de pedra e viram um aposento quase do mesmo tamanho e configuração daquele da piscina, no piso superior. Ao invés de água, cerca de quarenta estátuas de cerâmica daqueles guerreiros seminus portando lanças e elmos de ouro adornados com plumas, estavam alinhadas. Lances de escada levavam para o nível da sala e, no fundo do aposento, um alta largo onde, no seu centro, sentado sobre um trono de prata cravejado de gemas de diversas cores e tamanhos, formando a figura da criatura inumana que Hashin e Sveinsonir viram, sentava uma enorme estátua de pedra jade, usando joias, coroa e braceletes de ouro, que brilhavam como o sol. A sua frente, apoiada sobre o trono, uma gigantesca espada de duas mãos, com a empunhadura trabalhada, um rubi em sua ponta. Em cada lado do trono, duas outras estátuas estavam de pé, portando um escudo prateado em uma mão e uma espada larga na outra. Todos os itens brilhavam como se fossem novos, e a maioria tinha detalhes em ouro, prata, e era cravejado de gemas que brilhavam como os olhos apaixonados de uma dama.

Um silêncio e um ar de imutabilidade eterna pairavam no ar. Os três já faziam planos de como iriam carregar toda aquela riqueza, quando, de repente, uma voz grave e poderosa como um trovão ecoou, vinda da estátua de pedra sentada no trono - Eu sou Tuhan, o guerreiro do caos de Acheron! Vocês profanaram meu local de descanso e, por isso, pagaram com o sangue que corre em suas veias! Levantem-se guerreiros e acabem com os infiéis!

Neste momento, todas as estátuas tomaram vida. No nível inferior, as estátuas de cerâmica se moviam lenta e ordenadamente em direção às escadas, em pouco tempo estariam entre os heróis e o seu número seria o suficiente para cortá-los em pedaços. A estátua de Tuhan, junto com seus dois guardiões, levantaram suas armas e vieram andando firmemente em direção ao grupo, contornando a depressão no centro da sala. Almeric, sem pensar duas vezes, se lançou contra Tuhan, com espada em punho. O guerreiro do caos aparou seu golpe calmamente para em seguida, com um jogo de braço rápido, desferir um golpe que abrira um ferimento enorme no peito do Bretuniano, que caíra no chão, inconsciente e sangrando.

- Maldita seja essa bruxaria! Por Ymir, volte para o inferno! - Com esse grito, Sveinsonir se jogou sobre seus inimigos como um urso branco do norte, cheio de fúria! Sua marreta acertou em cheio Tuhan que voou para trás, quase caindo no não, uma rachadura se formando em seu peito.

Hashin, lembrando-se da gordura de porco que armazenara na noite anterior, juntou um pouco em sua mão e arremessou em uma das escadas próximas, fazendo os guerreiros de cerâmica escorregar e caírem uns sobre os outros. O barulho de louça quebrando ecoou pelas paredes de quebra, enquanto o clangor de metais dominava o ambiente.

Enquanto isso, os guardiões de Tuhan cercavam o asgardiano e o atacavam como incansáveis máquinas de guerra. Apesar de ferido, o gigante do norte mantinha sua concentração e sua fúria focada no guerreiro do caos, que se levantava e vinha ao seu encontro com o claimore levantado alto sobre sua cabeça. A espada caiu sobre Sveinsonir como uma guilhotina, e um rio de sangue jorrava de seu ombro.

O estudioso de Vendhia, vendo que aquilo poderia acabar muito mal para eles, buscou em sua bolsa um remédio que produzira com as ervas do sul para tentar acordar Almeric. Por sorte, o remédio estava logo por cima e ele logo o aplicou sobre o ferimento do guerreiro, que acordou alguns segundos depois, ainda meio tonto. Ao mesmo tempo, recuperando-se do golpe que quase o degolou, Sveinsonir levantou sua marreta e desferiu um golpe poderoso sobre a cabeça de Tuhan, que caiu de joelhos, sua coroa caindo no piso inferior.

Aproveitando-se da vulnerabilidade da estátua do guerreiro do caos, Almeric se levantou e, usando uma manobra que aprendera nas arenas de Nemedia, empurrou o inimigo, fazendo o cair no andar de baixo, e se despedaçar. Nesse momento, todas as estátuas começaram a se desfazer, rachaduras surgindo pequenas e se expandindo a cada segundo. De dentro das estátuas que se partiam, uma chama azul, igual às das tochas penduradas em toda a tumba, saia e dançava, suspensas no ar, para, então, desaparecerem quando voavam para o teto, como almas que fugiam atravessando o teto. De repente, todas as luzes se apagaram, e o silêncio e a escuridão os cercaram.

Rapidamente, Hashin acendeu uma tocha e eles se viram em um aposento vazio, cheio de joias, armas e armaduras feitas de prata e ouro. Um tesouro digno de reis e rainhas. As estátuas tinham virado pó, poeira e pequenas pedras. Não havia sinal de mais nenhuma outra passagem e aquele ouro todo era deles agora. Cada um recolheu tudo aquilo que conseguiam carregar. Bolsas e mochilas abarrotadas de joias e gemas. Mas o vendhiano percebeu algo estranho. No mapa que carregava, havia a imagem de um globo escuro como a noite sobre um travesseiro. Provavelmente aquele era o tesouro mais valioso dali, mas não havia sinal dele.

Por quase uma hora os três vasculharam o aposento por qualquer sinal de uma passagem, alavanca, alçapão e coisas do tipo, mas nada encontraram. Foi então que Hashin teve a ideia de ir ao aposento em que teve a visão sinistra da criatura alienígena, e tentar se concentrar na imagem do globo. Quando se dirigiram para a escada, viram que, estranhamente, ela era bem mais curta agora do que antes. Suas cordas jaziam amontoadas umas sobre as outras no chão e, depois de alguns lances de escada, estavam novamente na sala com a piscina de água escura.

Novamente, eles passaram pelo local abraçando as paredes, mantendo a atenção na água para qualquer movimento. As safiras no seu interior brilhavam mais fracamente agora que as luzes azuis se extinguiram. A medida que andavam, pareciam ver uma sombra estranha os acompanhando de baixo d'água. Alcançando a porta sul da sala, eles passaram rapidamente para o Salão onde havia a grande estátua do guerreiro que apontava para eles. Agora, eles sabiam que se tratava de Tuhan. Ela ainda os seguia enquanto andavam, mas nenhuma labareda saiu de seu dedo.

Logo chegaram a "sala de observação". O corpo da cobra ainda estava ali, imóvel, com uma seta encravada em seu olho esquerdo. Hashin, calmamente, chega até o trono, se concentra, e senta. Todo seu esforço focado em manter seus pensamento na orbe negra. Sua visão, então, começou a ficar turva e outras imagens se formavam lentamente. Agora ele via o aposento onde enfrentaram a estátua do guerreiro do caos. Lentamente, como se estivesse caminhando lá, a imagem vai se deslocando pelo aposento até chegar atrás do trono de prata e ouro. Um braço estranho, maleável, como um tentáculo, ainda que com dedos, esticou-se e pressionou uma pedra na parede, fazendo abrir-se um corredor estreito e escuro. No fim dele, sobre um altar e um travesseiro de seda, a orbe, escura e com sobras púrpuras, repousava suavemente.

Em um salto, o vendhiano se levantou e começou a se dirigir para o local - Venham, acho que encontrei uma coisa.

Os três caminharam com passos largos. Hashin na frente, decido a chegar lá o mais rápido possível, seu coração ardendo de desejo e curiosidade. Havia algo naquela orbe que o atraia. Sveinsonir e Almeric o seguindo confusos. Em pouco tempo estavam diante do trono de Tuhan novamente. Precisamente, o estudioso se dirigiu até a parede de pedra e a pressionou em um ponto que faz abrir-se uma passagem para um corredor escuro. No fim deste, eles viram a orbe negra, que parecia brilhar com pequenas chamas púrpuras em seu interior, as quais não paravam de se mover.

- O que é isso, Hashin? Tem a aparência de um artefato sinistro! - Falou o asgardiano, desconfiado.

- Ainda não sei, amigo. Mas pretendo descobrir. De qualquer forma, isso vale mais ouro do que tudo que pegamos até agora - E, com um pedaço de pano, cobriu e colocou o objeto em sua mochila - Vamos embora, pegamos tudo que conseguíamos carregar. Não podemos nos demorar mais. É possível que esteja para amanhecer e não quero pensar no que pode acontecer conosco quando as estrelas desaparecerem do céu.

Rapidamente eles partiram dali, subindo as escadas e contornando a sala com a piscina de águas escura. Quando estavam quando saindo de lá, algo se moveu na água e como uma relâmpago, três tentáculo disformes, como os da criatura que viram no sonho estranho que tiveram no trono, tentaram agarrar Hashin. Por sorte, apenas um conseguiu agarrar a perna esquerda do Vendhiano, mas este foi logo cortado por Sveinsonir, que agora empunhava o claimore que pegara do derrotado Tuhan - Corram, corram! Esse demônio do abismo não pode nos alcançar! Que Ymir nos dê força!

O grupo partiu em retirada, correndo com toda a força que ainda tinham. Na esperança de atrasar a criatura, que agora se arrastava para fora da água, mostrando as centenas de olhos e bocas que compunham sua forma alienígena, Sveinsonir quebrou suas últimas garrafas de bebida para atear fogo no chão.

Em momentos eles estavam do lado de fora da tumba, cruzaram o portal que já mostrava a imagem do lado de fora trêmula. O sol estava para nascer, mas a criatura continuava vindo. Escalando as paredes e o teto com a mesma facilidade como rastejava pelo chão, assustadoramente rápido e de forma totalmente repugnante. Preparados para o pior, os três sacaram suas armas. O som da respiração deles e das palavras estranhas e alienígenas que a besta pronunciava era tudo que ouviam.

No momento em que o monstro chegava próximo ao portal, um brilho dourado de esperança veio do oriente. O sol se levantava, e as estrelas da noite perdiam seu brilho. A imagem do corredor por onde vieram desaparecia, e os perigos e riquezas que ainda restavam na tumba também.

Sem pensar duas vezes, o gigante de Asgard pegou sua marreta e começou a golpear as colunas do arco loucamente - Vamos, me ajudam a destruir a entrada desse lugar maldito. Já temos o que precisamos para um bom tempo! Não precisamos de uma criatura daquelas atrás de nós.

Mas não era necessária a ajuda de mais ninguém. Em minutos o arco estava tombado e destruído. Ninguém mais conseguiria encontrar a Tumba de Tuhan. O ouro e riquezas que ainda restava lá estavam perdidos pare sempre.

Tudo parecia bem, naquela hora. Estavam com os bolsos, mochilas e sacolas cheias de ouro, joias e pedras preciosas. Poderiam ir para qualquer cidade que quisessem e viver como reis. Mas quando voltaram sua atenção para os seus arredores, viram algo que os deixou preocupados. Estavam cercados de homens baixos de pele e cabelos escuros, usando lanças e máscaras e arcos. Um deles, a frente dos outros, usava um cajado de onde estavam pendurados vários crânios humanos. Eram pictos e, aparentemente, não estavam felizes em  encontrá-los ali.

Esse conto foi escrito baseado em uma aventura jogada com o RPG Barbarians of Lemuria, ambientado na Era Hiboriana. Para ler a primeira parte deste conto, vá na seção de Crônicas do blog.

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